domingo, 15 de maio de 2011

Crônica de um Ex-Soldado do Araguaia

Por Sezostrys Alves da Costa

           Um ex-soldado, que combateu no Araguaia, reportou-nos que assim que ingressou no serviço militar, em janeiro de 1973, aos vinte anos de idade, foi prestar serviço no Centro de Formação de Artilharia, em Goiânia (Go). Pouco depois, fora designado, juntamente com outros 200 soldados, para a Base Militar de Xambioá, à época Goiás, hoje Tocantins.
Sem inicialmente saber o que de fato iria fazer, e qual seria a missão na região, só quando chegou é que foi ter a dimensão do trabalho que teria pela frente e lá, como muitos outros, passou por humilhações de diversos tipos, praticadas por oficiais superiores. Os relatos sobre esses soldados estão começando a ser contados, como num preâmbulo para a vindoura Comissão da Verdade.   
               O ex-soldado, que pede para não ser identificado pelo medo de um passado sangrento, relata que toda vez que iria se iniciar alguma missão, a Polícia Federal e o Exército, através dos seus comandantes faziam um amiudado planejamento das ações.  Tudo, segundo tal memória, se iniciava apartir destes dois órgãos. Depois de tudo traçado é que eram  convocados os outros comandantes da Marinha, Aeronáutica e PMs de Goiás e Pará.
Todos, absolutamente todos, tinham tarefas diante do curso de cada missão.
Os soldados rasos, como eles eram conhecidos e alcunhados pelos oficiais, tinham a missão de fazer sentinela de presos que estavam na base, tais presos podiam ser lavradores suspeitos de serem guerrilheiros ou amigos dos rebeldes ou simples moradores acusados de terem simpatia ao movimento insurgente.
Um outro fator, é que os mesmo soldados faziam a segurança para o alto comando na Base de Xambioá.  
Como em toda guerra, os militares têm suas táticas, métodos e práticas e no Araguaia não foram diferentes.
O método mais terrível para elucidar o movimento guerrilheiro era a tortura que vitimou não só os integrantes diretos das Forças Guerrilheiras do Araguaia, mas também, e principalmente, centenas de camponeses pobres que residiam naqueles sertões do Araguaia.
Aqueles soldados que prestavam serviço para o altíssimo comando militar podiam ouvir, dentre outras coisas que, os corpos “dos terroristas” nunca seriam encontrados pois o local onde eles eram enterrados era de tipo muito fundo, sempre na vertical, em cisternas ou poços.
Este dado é absolutamente novo. Por noites e dias, os soldados ouviam as reuniões periódicas dos “doutores” e oficiais. Podiam, inclusive, registrar um medo daqueles tempos manifestados por estreludos generais: caso um desaparecido fosse encontrado, todos seriam.  
 Acredito, diante da inédita revelação, que o local em que os presos ficavam depois das torturas, na sala do comando, onde era uma cisterna, possa ser o tão falado cemitério clandestino da Base de Xambioá. O ex-soldado informa que este local era muito fundo.
Um tipo diferente de sepultamento pode ter ocorrido no Araguaia, a inumação vertical. Os corpos dos combatentes eram colocados em pé, e/ou jogados em buracos, ficando amontoados, onde eram enterrados, com profundidade ainda não precisa, mas é sabido que estes locais são bastante fundos para dificultar a localização dos restos mortais.
O fato é que tal informação abre, no contexto da reformulação das buscas no Araguaia – sai Grupo de Trabalho Tocantins, entra Grupo de Trabalho Araguaia - o necessário aprofundamento de nossas perspectivas, pois emerge a necessidade de que seja realizada uma investida ainda mais rigorosa nos locais onde já foram realizados trabalhos de escavação.
Falo isso me referindo aos próprios cemitérios da região e as Bases de Xambioá e Bacaba. Introduzo, ainda, a antiga Pastorisa, fazenda onde hoje é a Base de Selva Cabo Rosa.
 Nos últimos meses alcançamos avanços no sentido de ouvir ex-soldados dispostos a colaborar, contando o que sabem e presenciaram no decorrer dos combates no Araguaia. Alguns, corajosamente, se reportaram as terríveis operações-limpeza.
Agora, com a reestruturação, com o ingresso do Ministério da Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, além do próprio Ministério da Defesa, fica mais evidente que o governo de Dilma Roussef quer, de uma vez por todas, resolver a histórica pendência dos desaparecidos políticos brasileiros.
Sentimos, mais do que nunca, que estamos diante de um importante momento para consolidarmos a nossa democracia e a criação da Comissão da Verdade vai nos permitir construir um país diferente, com a consciência de saber erigir seu próprio futuro.   

SEZOSTRYS ALVES DA COSTA
Membro do Grupo de Trabalho Araguaia – GTA
Indicação do PCdoB.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Ministra Maria do Rosário recebe denúncias de ameaças a Defensores de Direitos Humanos no Araguaia

Da Esquerda a Direita: Renato Rabelo - Pres. Nacional do PCdoB, Paulo Fonteles Filho - Membro GTA, Maria do Rosário - Ministra da Sec. Nacional de Direitos Humanos, Sezostrys Alves da Costa - Membro GTA e Aldo Arantes - Comitê Nacional do PCdoB/GTA.

Paulo Fonteles Filho e Sezostrys Alves da Costa, integrantes do Grupo de Trabalho Araguaia (GTA), foram recebidos nesta quarta-feira (11), em Brasília (DF), pela ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Paulo e Sezostrys informaram a ministra sobre o contexto das ameaças envolvendo pessoas que têm colaborado com informações importantes para a localização e identificação de mortos e desaparecidos políticos durante a Guerrilha do Araguaia.

Com a reestruturação do Grupo, reafirmaram a importância de que sejam tomadas providências para elucidar essas questões e, assim, garantir a continuidade dos trabalhos de busca.
Paulo Fonteles Filho relatou à ministra que horas depois de prestar depoimento na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), no dia 5 de maio, ele foi surpreendido com notícias de sua morte divulgadas em diversas redes sociais pela internet.

Além da ministra Maria do Rosário, participaram da audiência o secretário-executivo da SDH/PR, André Lázaro; o presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo; o integrante do Comitê Central do PCdoB, Aldo Arantes; o secretário nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Ramaís Silveira; o diretor de Defesa dos Direitos Humanos, Fernando Matos; a coordenadora-geral do Programa de Proteção dos Defesores de Direitos Humanos, Clarissa Jokowski; a coordenadora-geral do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Christiana Freitas; e representantes da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

http://www.direitoshumanos.gov.br/2011/05/11-mai-2011-ministra-maria-do-rosario-recebe-denuncias-de-ameacas-a-defensores-de-direitos-humanos-no-araguaia

terça-feira, 10 de maio de 2011

Direitos Humanos ouve agricultores da região da Guerrilha do Araguaia

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara vai realizar em junho audiência pública com agricultores que viviam na região da Guerrilha do Araguaia (divisa dos estados do Pará, de Tocantins e do Maranhão). A intenção é colaborar com o novo grupo de trabalho criado pelo governo federal para procurar corpos dos militantes mortos na década de 70 pelo Exército.
“Esses camponeses sempre têm histórias para contar, indícios para revelar, então a comissão fará o esforço de ouvi-los e a todas as pessoas vinculadas à região do Araguaia para ajudar o governo brasileiro”, disse a presidente da comissão, deputada Manuela d'Ávila (PCdoB-RS).
Condenações
Em 2009, o governo foi condenado pela Justiça Federal a procurar os corpos dos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia. Desde então, um grupo coordenado pelo Ministério da Defesa colheu mais de 150 depoimentos e fez mais de cem escavações, encontrando, inclusive, algumas ossadas que ainda estão sendo identificadas.
No final do ano passado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) culpou o Brasil pelo desaparecimento de 62 integrantes da Guerrilha do Araguaia e considerou o fato como crime contra a humanidade.
O Estado foi condenado a devolver os restos mortais às famílias. Para cumprir a decisão, o governo federal ampliou o grupo de buscas, conforme explicou o ministro da Defesa, Nelson Jobim: “Nós vamos ampliar a participação e a coordenação-geral do grupo de trabalho, com a participação inclusive do presidente da Comissão de Desaparecidos. O foco desse grupo de trabalho é claro e exclusivamente o cumprimento da sentença judicial. Isso vai dar, inclusive, maior legitimidade ao grupo de trabalho, com a participação do Ministério da Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República”.
Críticas
Criméia Schmidt, integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, foi presa e torturada pelo regime militar. Ela sobreviveu à Guerrilha do Araguaia, mas três parentes dela nunca foram encontrados. Criméia vê como positiva a inclusão da Secretaria de Direitos Humanos e do Ministério da Justiça no comando das operações de buscas, mas aponta falhas.
“Não foram incluídos os familiares que quisessem participar e não foi incluído o Ministério Público, conforme a sentença da Corte da OEA. E a logística é toda do Exército, o que é bastante constrangedor, já que o Exército foi o responsável pelos desaparecimentos”, disse.
Assim como Criméia, a deputada Manuela d'Ávila ressaltou que a busca dos desaparecidos e mortos na Guerrilha do Araguaia é importante para esclarecer parte da história do País, para que esse tipo de episódio não se repita.
Fonte: Agência Câmara
Reportagem - Ginny Morais/Rádio Câmara
Edição - Wilson Silveira
 

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Novo grupo de trabalho vai ampliar busca a desaparecidos no Araguaia

Quinta-feira, 5 de maio de 2011 às 17:03

Foto: Ministério da Defesa/Arquivo

Uma portaria interministerial assinada nesta quinta-feira (5/5), na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, vai ampliar e reformular as atividades do até então chamado Grupo de Trabalho Tocantins (GTT), criado com o objetivo de localizar, recolher e identificar os corpos de desaparecidos durante a Guerrilha do Araguaia. O documento, contendo a assinatura dos ministros da Defesa, Nelson Jobim; da Justiça, José Eduardo Cardozo; e, da ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, institui o Grupo de Trabalho Araguaia (GTA), atendendo a anseios de agentes públicos, familiares de desaparecidos e demais representantes da sociedade envolvidos no tema.

Diferentemente do GTT, que tinha apenas o Ministério da Defesa como coordenador, o GTA terá uma coordenação-geral conjunta dos Ministérios da Defesa, da Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos, com o acompanhamento do presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Marco Antonio Barbosa. A comissão foi criada pela Lei 9.140 de 1995 e funciona junto à Secretaria de Direitos Humanos.

Com o GTA, o governo busca promover maior participação dos órgãos públicos no cumprimento da sentença judicial que motivou a criação, em abril de 2009, do grupo de trabalho. A decisão, prolatada pela 1ª Vara Federal de Brasília, determinou que cabe à União localizar e entregar os corpos de guerrilheiros desaparecidos no conflito. A Guerrilha do Araguaia foi um movimento de oposição ao regime militar organizado pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), no início da década de 1970.

De acordo com a portaria, caberá aos três ministérios envolvidos providenciar os meios e recursos necessários à execução das atividades, com o apoio logístico do Comando do Exército e participação facultativa e eventual do Comando da Aeronáutica, da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Federal.
Seguindo as diretrizes estabelecidas pela coordenação-geral, o Ministério da Defesa continuará atuando como coordenador-executivo do grupo, com a participação das pastas da Justiça e dos Direitos Humanos. Também farão parte do grupo de trabalho representantes da Advocacia Geral da União, do PCdoB, do Departamento de Polícia Federal, da Polícia Civil do DF, do Museu Paraense Emilio Goeldi e de universidades federais e estaduais.

Poderão compor ainda o GTA, a critério da coordenação-geral, representantes dos governos do Pará, do Tocantins e do Distrito Federal, desde que haja manifesto interesse dessas unidades da Federação. A ampliação do grupo prevê também a possibilidade de convite a outros participantes.

Além de reforçar os trabalhos que vêm sendo realizados, a instituição do GTA representa uma providência concreta para fazer cumprir, em tudo o que não ferir a legislação brasileira, decisão proferida em novembro de 2010 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que determinou a apuração, pelo Estado brasileiro, dos eventos ocorridos durante a Guerrilha do Araguaia. Cabe ao GTA, inclusive, produzir relatório a ser encaminhado à autoridade competente para informar sobre as medidas adotadas pelo Brasil para o cumprimento das resoluções previstas na referida sentença.

A portaria interministerial prevê, também, a elaboração de relatórios pormenorizados de todas as expedições a serem realizadas. Os documentos deverão ser encaminhados à Advocacia Geral da União, que os submeterá à 1ª Vara Federal de Brasília, com vistas ao cumprimento da sentença judicial que motivou a criação do grupo.

Retomada do trabalho de campo

O anúncio da reformulação do grupo de trabalho que atua no Araguaia precede a retomada, já neste mês, dos trabalhos de campo. A depender da intensidade das chuvas, o GTA poderá organizar, na segunda quinzena de maio, uma expedição à região conhecida como Bico do Papagaio, entre os estados do Pará, Tocantins e Maranhão, para reiniciar as buscas. Ali, os participantes do novo GTA realizarão atividades com o intuito de localizar pontos de possível inumação de participantes da guerrilha. O prazo previsto para o encerramento das atividades do GTA é de um ano, prorrogável caso novos fatos motivem a continuação dos trabalhos.

Nos dois anos em que funcionou, o GTT colheu o depoimento de mais de 150 informantes, entre camponeses, ex-guias e militares da reserva. Os trabalhos de exploração efetuados até então abrangeram uma área superior a 33 mil metros quadrados, envolvendo escavações de mais de uma centena de alvos, por meio de radar de solo. As buscas do GTT resultaram também na localização de restos mortais que estão sob identificação e análise de peritos do Instituto Médico Legal do Distrito Federal e do Departamento de Polícia Federal, em Brasília. As informações colhidas ao longo desse período serão utilizadas para subsidiar os futuros trabalhos do GTA