Com base no trabalho da Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia (ATGA) conseguimos estabelecer contato com moradores da região do Araguaia mais especificamente da Serra das Andorinhas/Martírios, onde, entre os dias 22 à 28 de Junho, em expedição do Grupo de Trabalho Araguaia buscou-se localizar os despojos dos combatentes, desaparecidos políticos, na Guerrilha do Araguaia.
Por Paulo Fonteles Filho e Sezostrys Alves da Costa
Antes do mais informamos que desde fins de 2009 já havíamos, antecedendo à Quinta Expedição do Grupo de Trabalho Tocantins, realizado um levantamento inicial da emblemática Serra, campo santo da Guerrilha do Araguaia.
Em relatório daquela Expedição, Paulo Fonteles Filho aponta que “Lá, no alto da Serra, encontramo-nos com quem procurávamos: Antônio Preto. (...) Aos poucos, principalmente pela intervenção do Beca, nosso entrevistado passou a falar e fez referência a existência, no passado, nos tempos da Guerrilha, de duas bases militares no alto da Serra, mais precisamente nos morros do Urutu e Urutuzinho onde, segundo ele, ainda é farto o material deixado pelas tropas, tais como cascas de balas, pilhas e bugingangas de metal.
O importante no relato prestado (...) foi o fato de ter feito referência a prováveis duas inumações no morro do Urutuzinho (...)”.
A conclusão daquele relatório afirma que “O fato é que no futuro precisamos avançar nas pesquisas sobre a Serra, pois que em minha opinião, com trabalho resoluto, poderemos ter informações precisas de locais de sepultamentos, visto que a Serra das Andorinhas/Martírios é um local emblemático no contexto da Guerrilha do Araguaia.”
O fato é que durante esse tempo, depois de termos feito o esquadrinhamento dos ex-mateiros que serviram de guias para o Exército, a partir de contatos seguros, tivemos imensas dificuldades para subir até as Andorinhas/Martírios. Não é tarefa fácil percorrer os íngremes caminhos dos mais de 20 mil hectares da imensa Serra.
Naquele período não sabíamos do relato de um ex-militar de um lugar, cuja geografia descreve imensos paredões e de uma grota, o “Grotão da Serra” que, creio, enfim localizamos.
A área descrita se confunde com um dos pontos salientados pelo ex-coronel Cabral, que, apesar das dificuldades de reconhecimento do local nos dá boas pistas para o achamento de tal polígono. A principal referência do ex-coronel Cabral é um ponto próximo ao morro do Urutu, que serviu de base para importantes ações repressivas dos militares contra o movimento insurgente.
A memória do velho aviador também fala de três morros bem próximos que achamos ser o do “Vai-quem-quer”, “Água Verde” e o do “Chapéu”. Neste último é que acreditamos estar margeado o tal “Grotão da Serra”. O lugar descrito é uma das nascentes do Córrego Jatobá que brota no alto da Serra das Andorinhas/Martírios e vai desaguar no caudaloso Araguaia.
Uma das características de nosso trabalho é obter o máximo de informações e, como num imenso quebra-cabeças, irmos montando, peça por peça, os caminhos mais adequados para o êxito das atividades de busca dos guerrilheiros do Araguaia.
É com base nessa premissa que há dois meses entrevistamos em Goiânia (GO), um ex-soldado da PM de Goiás que passou seis meses prestando guarda no Urutu. Tal soldado nos descreveu que havia um lugar, próximo ao morro, em que os “sapões” desciam e que era terminantemente proibida a descida a aquela área. Quem desrespeitasse, segundo o relato, sofreria severas punições do alto-comando das tropas federais. O ex-militar goiano é quem informa sobre os sepultamentos verticais na Base de Xambioá.
Há um mês tivemos outras informações, muito significativas, colhidas por dirigentes da ATGA e da Associação de Ex-Soldados que combateram no Araguaia.
A primeira nos é dada por Cícero Dias Bandeira, o “Roxo”, morador de São Domingos do Araguaia. O “Roxo”, também atingido pela violenta repressão política, relata-nos que há anos, garimpando na Serra das Andorinhas/Martírios teria sabido de ossadas num “Grotão”.
Cabe dizer que militares todos fardados, encontraram à época com o grupo de pequenos mineradores na qual o “Roxo” fazia parte e os intimaram a sair do garimpo e abandonar, em definitivo, a Serra das Andorinhas/Martírios. O encontro dos militares com os garimpeiros deve ter ocorrido há 15 anos.
Temos consciência que ainda é grande o temor de uma parcela significativa da massa diante dos acontecimentos brutais da repressão à guerrilha e ao esquema de controle que até bem pouco tempo era norma na região.
Um ex-guia, o Evangelista, de São Geraldo do Araguaia, informou-nos que até 2003 sua casa era visitada por oficiais militares periodicamente e o sentido da visita era o controle das informações sobre movimentações que buscavam encontrar os despojos dos desaparecidos políticos, dentre outras.
Depois de intenso trabalho de convencimento o “Roxo” decide subir conosco até as “Montanhas do Pará”, conforme cantava em verso e prosa o guerrilheiro Mundico, do araguaiano Destacamento C.
Por dois dias fomos de helicóptero, eu, Sezostrys Costa, o “Roxo”, Marcelo Blum, geólogo da Polícia Federal; o Samuel, médico legista da Força Nacional. Somou-se a nós, ainda, um bom conhecedor dos caminhos da Serra, o Raimundo Alves Pereira, o “Barreirão”.
O motivo da ida do “Barreirão” se justifica pela referência do “Roxo”: a casa de um dos mais antigos moradores da Serra, o Raimundo Estevão de Souza Martins, o “Raimundão”, morador há 32 anos da Serra das Andorinhas/Martírios.
O “Raimundão” criou os nove filhos nas Andorinhas/Martírios.
A expedição realizada apontou para uma das áreas pontuadas pelo ex-coronel Cabral, os paredões do imenso “Grotão”, próximo ao Urutu, divisando com os três morros das lembranças do ex-aviador. Tal “Grotão” tem outros batismos, além do “da Serra” é conhecido como o “do Meio” e “Jatobá”. As três designações indicam para a mesma geografia.
Em nossas andanças pela Serra foi nítida a precisão da lembrança do “Roxo” sobre a área. Mesmo distantes, naquele primeiro dia de caminhadas, ele indicava para o local da “conversa” com convicção. Víamos um vertiginoso paredão no horizonte.
Ali, naquele primeiro dia, não tivemos como nos aproximar da referida área.
O segundo dia de caminhadas vai apresentar outras novidades.
O fato é que o “Grotão da Serra” é imenso e os paredões devem ter uns 10 quilômetros de extensão, com grandes e pequenas cachoeiras que vão, morro abaixo, singrando as águas límpidas pelas pedras minerais de indescritíveis belezas.
Seguramente há poucos lugares de mundo tão lúdicos quanto a grota das nascentes do “Jatobá”. Ficamos estacionados absorvendo as escarpadas e corredeiras, refletindo sobre os caminhos da pesquisa porque não é possível esquadrinhar em poucas horas aquilo que pode ser, como dizem os camponeses, o campo santo do “povo da mata”.
O “Roxo”, um negro de mais de setenta anos, de fala baixa como se falasse o tempo todo para si mesmo, vai nos dizendo de que esse trabalho não pode ser realizado às pressas, sob a tutela da afobação.
Está certo o “Roxo”. O tempo das Andorinhas/Martírios é lento, ventoso, íngreme e mineral. A consciência do tempo é a expressão do afastamento da vida urbana das grandes e médias cidades país afora. Os caminhos da imensa Serra são de pedras brancas e pretas de um tempo de que ninguém se lembra.
Chamou-nos atenção é que no “Grotão” havia nítidas marcas de recentes picadas, realizadas um ou dois dias antes de nossa presença na área. As marcas deixadas são contundentes, o que afasta a hipótese de caçadores porque, para o êxito da caça, é regra o silêncio absoluto.
Deixamos as Andorinhas/Martírios com a convicção de um breve retorno.
Em relatório daquela Expedição, Paulo Fonteles Filho aponta que “Lá, no alto da Serra, encontramo-nos com quem procurávamos: Antônio Preto. (...) Aos poucos, principalmente pela intervenção do Beca, nosso entrevistado passou a falar e fez referência a existência, no passado, nos tempos da Guerrilha, de duas bases militares no alto da Serra, mais precisamente nos morros do Urutu e Urutuzinho onde, segundo ele, ainda é farto o material deixado pelas tropas, tais como cascas de balas, pilhas e bugingangas de metal.
O importante no relato prestado (...) foi o fato de ter feito referência a prováveis duas inumações no morro do Urutuzinho (...)”.
A conclusão daquele relatório afirma que “O fato é que no futuro precisamos avançar nas pesquisas sobre a Serra, pois que em minha opinião, com trabalho resoluto, poderemos ter informações precisas de locais de sepultamentos, visto que a Serra das Andorinhas/Martírios é um local emblemático no contexto da Guerrilha do Araguaia.”
O fato é que durante esse tempo, depois de termos feito o esquadrinhamento dos ex-mateiros que serviram de guias para o Exército, a partir de contatos seguros, tivemos imensas dificuldades para subir até as Andorinhas/Martírios. Não é tarefa fácil percorrer os íngremes caminhos dos mais de 20 mil hectares da imensa Serra.
Naquele período não sabíamos do relato de um ex-militar de um lugar, cuja geografia descreve imensos paredões e de uma grota, o “Grotão da Serra” que, creio, enfim localizamos.
A área descrita se confunde com um dos pontos salientados pelo ex-coronel Cabral, que, apesar das dificuldades de reconhecimento do local nos dá boas pistas para o achamento de tal polígono. A principal referência do ex-coronel Cabral é um ponto próximo ao morro do Urutu, que serviu de base para importantes ações repressivas dos militares contra o movimento insurgente.
A memória do velho aviador também fala de três morros bem próximos que achamos ser o do “Vai-quem-quer”, “Água Verde” e o do “Chapéu”. Neste último é que acreditamos estar margeado o tal “Grotão da Serra”. O lugar descrito é uma das nascentes do Córrego Jatobá que brota no alto da Serra das Andorinhas/Martírios e vai desaguar no caudaloso Araguaia.
Uma das características de nosso trabalho é obter o máximo de informações e, como num imenso quebra-cabeças, irmos montando, peça por peça, os caminhos mais adequados para o êxito das atividades de busca dos guerrilheiros do Araguaia.
É com base nessa premissa que há dois meses entrevistamos em Goiânia (GO), um ex-soldado da PM de Goiás que passou seis meses prestando guarda no Urutu. Tal soldado nos descreveu que havia um lugar, próximo ao morro, em que os “sapões” desciam e que era terminantemente proibida a descida a aquela área. Quem desrespeitasse, segundo o relato, sofreria severas punições do alto-comando das tropas federais. O ex-militar goiano é quem informa sobre os sepultamentos verticais na Base de Xambioá.
Há um mês tivemos outras informações, muito significativas, colhidas por dirigentes da ATGA e da Associação de Ex-Soldados que combateram no Araguaia.
A primeira nos é dada por Cícero Dias Bandeira, o “Roxo”, morador de São Domingos do Araguaia. O “Roxo”, também atingido pela violenta repressão política, relata-nos que há anos, garimpando na Serra das Andorinhas/Martírios teria sabido de ossadas num “Grotão”.
Cabe dizer que militares todos fardados, encontraram à época com o grupo de pequenos mineradores na qual o “Roxo” fazia parte e os intimaram a sair do garimpo e abandonar, em definitivo, a Serra das Andorinhas/Martírios. O encontro dos militares com os garimpeiros deve ter ocorrido há 15 anos.
Temos consciência que ainda é grande o temor de uma parcela significativa da massa diante dos acontecimentos brutais da repressão à guerrilha e ao esquema de controle que até bem pouco tempo era norma na região.
Um ex-guia, o Evangelista, de São Geraldo do Araguaia, informou-nos que até 2003 sua casa era visitada por oficiais militares periodicamente e o sentido da visita era o controle das informações sobre movimentações que buscavam encontrar os despojos dos desaparecidos políticos, dentre outras.
Depois de intenso trabalho de convencimento o “Roxo” decide subir conosco até as “Montanhas do Pará”, conforme cantava em verso e prosa o guerrilheiro Mundico, do araguaiano Destacamento C.
Por dois dias fomos de helicóptero, eu, Sezostrys Costa, o “Roxo”, Marcelo Blum, geólogo da Polícia Federal; o Samuel, médico legista da Força Nacional. Somou-se a nós, ainda, um bom conhecedor dos caminhos da Serra, o Raimundo Alves Pereira, o “Barreirão”.
O motivo da ida do “Barreirão” se justifica pela referência do “Roxo”: a casa de um dos mais antigos moradores da Serra, o Raimundo Estevão de Souza Martins, o “Raimundão”, morador há 32 anos da Serra das Andorinhas/Martírios.
O “Raimundão” criou os nove filhos nas Andorinhas/Martírios.
A expedição realizada apontou para uma das áreas pontuadas pelo ex-coronel Cabral, os paredões do imenso “Grotão”, próximo ao Urutu, divisando com os três morros das lembranças do ex-aviador. Tal “Grotão” tem outros batismos, além do “da Serra” é conhecido como o “do Meio” e “Jatobá”. As três designações indicam para a mesma geografia.
Em nossas andanças pela Serra foi nítida a precisão da lembrança do “Roxo” sobre a área. Mesmo distantes, naquele primeiro dia de caminhadas, ele indicava para o local da “conversa” com convicção. Víamos um vertiginoso paredão no horizonte.
Ali, naquele primeiro dia, não tivemos como nos aproximar da referida área.
O segundo dia de caminhadas vai apresentar outras novidades.
O fato é que o “Grotão da Serra” é imenso e os paredões devem ter uns 10 quilômetros de extensão, com grandes e pequenas cachoeiras que vão, morro abaixo, singrando as águas límpidas pelas pedras minerais de indescritíveis belezas.
Seguramente há poucos lugares de mundo tão lúdicos quanto a grota das nascentes do “Jatobá”. Ficamos estacionados absorvendo as escarpadas e corredeiras, refletindo sobre os caminhos da pesquisa porque não é possível esquadrinhar em poucas horas aquilo que pode ser, como dizem os camponeses, o campo santo do “povo da mata”.
O “Roxo”, um negro de mais de setenta anos, de fala baixa como se falasse o tempo todo para si mesmo, vai nos dizendo de que esse trabalho não pode ser realizado às pressas, sob a tutela da afobação.
Está certo o “Roxo”. O tempo das Andorinhas/Martírios é lento, ventoso, íngreme e mineral. A consciência do tempo é a expressão do afastamento da vida urbana das grandes e médias cidades país afora. Os caminhos da imensa Serra são de pedras brancas e pretas de um tempo de que ninguém se lembra.
Chamou-nos atenção é que no “Grotão” havia nítidas marcas de recentes picadas, realizadas um ou dois dias antes de nossa presença na área. As marcas deixadas são contundentes, o que afasta a hipótese de caçadores porque, para o êxito da caça, é regra o silêncio absoluto.
Deixamos as Andorinhas/Martírios com a convicção de um breve retorno.
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=157940&id_secao=1
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