sexta-feira, 4 de maio de 2012

Hidrelétrica pode inviabilizar localização de corpos no Araguaia



SÃO PAULO - A construção de uma usina hidrelétrica na região do Araguaia pode dar fim à esperança de localizar corpos de guerrilheiros e camponeses desaparecidos durante a guerrilha. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) recebeu no último dia 27 de março o novo EIA/Rima da Usina Hidrelétrica de Santa Isabel, que deverá alagar uma área de 234 quilômetros quadrados em oito municípios, três deles no Pará (Palestina do Pará, São Geraldo do Araguaia e Piçarra) e cinco no Tocantins (Ananás, Riachinho, Xambioá, Araguanã e Aragominas). O grupo de trabalho do Ministério Público Federal (MPF) que investiga os crimes cometidos na ditadura informou ao GLOBO que vai analisar os novos documentos para decidir quais medidas tomar para preservar as áreas de escavação do Araguaia em busca de corpos de guerrilheiros e camponeses assassinados nos anos 70.

- Se houver inundação, será um grande prejuízo para o trabalho de investigação, de busca da verdade e desses corpos; porque as famílias tem o direito não só de saber o que aconteceu como de enterrar seus familiares para completar o processo de luto. Vamos analisar os documentos para saber qual área será inundada e tomar as medidas cabíveis - disse o procurador da República Andrey Borges, que integra o grupo de trabalho do MPF.

A Guerrilha do Araguaia ocorreu em fins dos anos 60 e início dos anos 70 e reuniu mais de 80 guerrilheiros na região. Mais de 50 corpos ainda não foram encontrados.

No EIA-RIMA, o consórcio Gesai, formado por cinco empresas (Alcoa Alumínio; Billiton Metais, Vale, Camargo Correia e Votorantim Cimentos), admite a importância histórica da Guerrilha do Araguaia, mas não descarta a possibilidade de cemitérios clandestinos ficarem submersos. O documento diz apenas que as buscas por corpos feitas até agora conduz a locais "aparentemente fora da área" a ser ocupada pelo reservatório.

Segundo Borges, a própria Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) pode ser acionada por medidas cautelares que preservem a área. Em dezembro de 2010, a Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos, o grupo Tortura Nunca Mais, do Rio, e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) conseguiram da Corte a condenação do Brasil pela não-investigação das mortes no Araguaia.

Nove anos atrás, um primeiro projeto de construção havia sido apresentado, mas acabou descartado. Naquela época, a área a ser alagada chegava a 2.944 km² e incluía a região da guerrilha. Em Xambioá, foram encontrados em 2009 os restos mortais dos guerrilheiros Bergson Gurjão Farias e Maria Lúcia Petit. O corpo de Farias foi identificado por exame de DNA.

- Pela decisão da Corte Interamericana, o Brasil não pode interromper as escavações porque ainda não cumpriu a determinação de localizar os corpos dos guerrilheiros - afirmou Crimeia de Almeida, ex-guerrilheira e integrante da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos. Crimeia diz temer uma decisão favorável do governo para a construção da usina:

- No Brasil, energia tem sido mais importante que direitos humanos. E já tivemos um caso parecido, quando inundaram Canudos (BA). Espero que o Ibama não faça isso (aprovar o projeto da Santa Isabel), mas o fato é que o governo tem tomado uma posição de muito descaso em relação ao Araguaia. Já são 40 anos que a gente busca Justiça e ela não acontece.

O Ibama informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que os estudos foram aceitos "sem análise de mérito" e que o consórcio deverá agora disponibilizar os relatórios para a população antes de serem agendadas as audiências públicas. "Ainda não é possível fazer comentários sobre os estudos uma vez que as análises técnicas ocorrem após acrescidas as contribuições das audiências públicas" informou o órgão.

Em resposta encaminhada ao GLOBO por email, o consórcio afirma que respondeu a todas essas perguntas no relatório do EIA-RIMA. "Em relação à guerrilha do Araguaia, pelas investigações conduzidas pelo governo até o momento, todos os indícios de possíveis locais de sepultamento estão localizados fora da área diretamente afetada pelo reservatório".

Segundo a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, o Grupo de Trabalho do Araguaia, que reúne também os ministérios da Justiça e Defesa, vai discutir o assunto em reunião na próxima quinta-feira.

O consórcio se propõe a financiar um projeto de "Identificação, Resgate e Socialização dos Testemunhos Materiais e Orais da História da Guerrilha do Araguaia", de forma a "contribuir com o esforço de outros agentes e organizações, governamentais e não governamentais, empenhados em esclarecer e resgatar os fatos ainda obscuros da Guerrilha do Araguaia".

Além da polêmica em torno dos corpos dos guerrilheiros, o Ibama deverá analisar as questões ambientais. No total, estudo identificou 175 sítios arqueológicos na região, dos quais 57 são considerados dentro da área de alagamento (ADA). Pelo menos um importante sítio arqueológico, a Ilha dos Martírios, no município de São Geraldo do Araguaia, repleta de pinturas rupestres, está na área prevista de alagamento. Também ficarão submersas, de acordo com o EIA/Rima, 18 das 20 cavernas existentes na ADA.

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