Na última sexta-feira (12), após exibição do documentário “Camponeses do Araguaia – A guerrilha vista por dentro” na Cinemateca Brasileira, o presidente da Comissão de Anistia, participou de debate a respeito do filme e o classificou como “um instrumento de reparação” aos anistiados.
Além de Paulo Abrão, o diretor do filme, Vandré Fernandes e o produtor, Rogério Zagallo também sentaram à mesa, ao lado do representante da Fundação Maurício Grabois, Augusto Buonicore.
O documentário é composto por entrevistas com camponeses sobre a amizade com os “paulistas”, como chamavam os militantes do PC do B que lutaram na Guerrilha do Araguaia durante a Ditadura Militar. Durante os relatos, os camponeses revelam as atrocidades cometidas pelo exército brasileiro na região entre 1972 e 1974.
A comissão de anistia existe há quatro anos e há pelo menos dois realiza uma caravana que roda o Brasil ouvindo depoimentos de pessoas que viveram a repressão do Regime Militar. No debate, Paulo Abraão disse considerar o “Camponeses do Araguaia” uma das mais importantes produções nos “quatro anos de luta por uma mudança de concepção da Comissão de Anistia”, que, segundo o seu presidente, deve ser o de valorizar a memória, e não o esquecimento. O motivo de tal elogio é porque o filme “visibiliza os camponeses”, defendeu.
Sem confiança no Estado
Esta comissão colheu uma série de relatos de camponeses da região onde ocorreu a Guerrilha do Araguaia e impressionou-se com a dificuldade desses cidadãos confiarem no Estado, até por constantes constrangimentos que continuaram sofrendo até o início dos anos 2000 a cada relato que concordavam em dar. Abraão explicou que sistematicamente militares se dirigiam aos camponeses para intimidá-los após cada depoimento.
A iniciativa de viajar até o Araguaia para colher relatos significou uma virada no papel político da comissão, na avaliação do seu presidente. “Até então só recebíamos documentos, até que chegaram os relatos da Guerrilha do Araguaia, sobre os quais não havia nenhum documento, nenhuma prova. Tomamos então uma decisão ousada, de ir lá colher depoimentos. O Estado se obrigou a produzir provas”, relata Paulo Abraão.
Negação da história
Abraão sustentou também que até pouco tempo as Forças Armadas negavam a Guerrilha da Araguaia. Para ele, esta situação só se alterou a partir da decisão judicial que determinou a busca de corpos e recuperação da história da guerrilha.
Sensível à dificuldade daquele povo de ser ouvido, o presidente da comissão de anistia declarou ainda que a reparação dos camponeses é diferente de outros processos de reparação, pois eles não eram militantes. Este tema foi, inclusive, tema de debate dentro da comissão, que chegou à conclusão de que se eles não eram militantes, este era mais um motivo para a reparação. Para Abraão esta foi uma segunda virada política da instituição, pois estavam “enfrentando o negacionismo histórico que havia prevalecido até os dias de hoje”, e completou, emocionado; “podemos levar adiante o que a geração que nos antecedeu não teve condições de fazer. Trata-se de uma responsabilidade da nossa geração com esta história”.
Paulo Abraão falou ainda de uma crescente sensibilização em nível internacional à questão dos Direitos Humanos, defendeu o julgamento de crimes militares no Brasil, citando exemplos como o Chile e a Argentina, e comentou a decisão do juiz que decidiu conceder liminar suspendendo o pagamento dos camponeses do Araguaia, sugerindo que o filme seja enviado ao juiz.
Abraão despediu-se emocionado, agradecendo “profundamente” a sensibilidade do documentário, e classificando-o como “mais um instrumento de luta por verdade, justiça e memória”.
O documentário
A ideia de fazer as filmagens surgiu com a proposta da Fundação Maurício Grabois ao Vandré de captar imagens do ato de julgamento de anistia em São Domingos do Araguaia. Em resposta, Vandré propôs fazer um documentário e convidou o Rogério Zagalo, conforme relatou o diretor durante o debate. Assim se construiu o caminho para a realização de um projeto que concorre a premiações em festivais no Rio de Janeiro e em São Paulo e que retoma uma história tão cara à luta pela democracia no Brasil.
Augusto Buonicore o descreveu como “a história contada a partir da ótica de quem sofreu a opressão, e não uma peça propagandista”. Buonicore também denunciou o sistemático ataque das grandes empresas de mídia à Comissão de Anistia.
ALN
O ex-combatente da Aliança Libertadora Nacional (ALN) Takao Amano esteve presente ao debate, e concordou com a tese de Paulo Abraão de que o Brasil trata a questão da ditadura militar com uma lógica de negação, diferente de outros países da América Latina. Ao valorizar o trabalho da Comissão de Anistia e do Ministério da Justiça nos últimos anos, Takao desabafou que o mais marcante do processo de repressão é a perda de muitos amigos e companheiros, além da “barbaridade da tortura”. Takao Amano termina sua declaração, entretanto, de forma otimista, constatando que as mortes não foram em vão, visto que “conseguimos restabelecer a democracia”.
Fonte: Fundação Maurício Grabois
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=1&id_noticia=141694
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