ANISTIA - Mais de 40 agora são partes em ação ajuizada por um parlamentar
Belém 29 de Agosto de 2010
JORGE HERBERTH
Da Redação
O juiz substituto da 27ª Vara da Justiça Federal no Rio de Janeiro, José Carlos Zebulum, decidiu incluir 44 camponeses vítimas durante a Guerrilha do Araguaia como partes numa ação proposta por um deputado federal que tenta barrar o direito deles à anistia e à indenização. Com isso, eles poderão contestar os argumentos do parlamentar e garantir seus direitos.
A liminar para inclusão dos camponeses foi concedida no âmbito de recurso impetrado pelo Instituto Paulo Fonteles e pela Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia. A inclusão já havia sido pedida pela Advocacia Geral da União (AGU) e Ministério Público Federal, mas num primeiro momento havia sido negada.
Os 44 camponeses já haviam sido anistiados pelo governo federal com direito à indenização. Eles ganharam a anistia em junho de 2009 pela Comissão Brasileira de Anistia, formada pelo Ministério da Justiça e conselheiros voluntários de várias instituições de direitos humanos. Mas no mesmo período, o advogado João Henrique Nascimento de Freitas, assessor do deputado estadual Flávio Bolssonaro (PP-RJ), filho do deputado federal Jair Bolssonaro (PP-RJ) - da ala conservadora do Congresso que defende a ação das Forças Armadas durante a Guerrilha do Araguaia - impetrou ação popular contra a anistia dos camponeses e o direito deles à indenização propostas pela Comissão de Anistia. Com a decisão do juiz, agora os camponeses também fazem parte da ação e poderão se defender.
http://www.orm.com.br/oliberal/
"A luta por Justiça e Direitos Humanos" - Ponto de Cultura "MEMÓRIAS DO ARAGUAIA"
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
terça-feira, 24 de agosto de 2010
Governo analisa idenizações e aprova pagamento a perseguidos políticos
Próximo passo será recorrer contra a decisão do TCU que pediu revisão dos casos
Edson Luiz
Publicação: 19/08/2010 08:23 Atualização: 19/08/2010 08:24
Apesar da recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU), o governo vai continuar pagando as indenizações para perseguidos políticos na ditadura. Ontem, nove processos foram julgados pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Entre eles, o do sociólogo Herbert José de Souza, o Betinho, que morreu em 1997, e o do diplomata Jom Tob de Azulay, que ontem ganhou o posto de embaixador, depois de ter sido obrigado a se transferir para outro país durante o regime militar. O governo também vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão do TCU que quer a revisão de todos os casos de reparação financeira aprovados desde a criação da comissão.
A família de Betinho vai receber R$ 207 mil, que corresponde a uma diferença a que ele teria direito como técnico em educação. A viúva do sociólogo, Maria Nakano, já recebia R$ 3 mil e terá uma complementação de R$ 2,2 mil mensais. Ela, por também ter sido perseguida política quando era professora, receberá mais R$ 1,2 mil por mês e uma reparação de R$ 109 mil. Já Azulay foi reintegrado aos quadros do Itamaraty e terá o posto de embaixador. Além disso, o período em que ficou no exílio contará como tempo de serviço para a aposentadoria.
Retrocesso
Na sessão de ontem, realizada na Câmara, a Comissão de Anistia recebeu o apoio de vários deputados contra a decisão do TCU. O presidente do órgão, Paulo Abrão, garantiu que o governo vai recorrer, depois de ser notificado, e continuará a analisar os processos. “A comissão segue seus trabalhos regularmente”, afirmou Abrão, que discorda do posicionamento do tribunal. “Quanto mais controle, melhor, mas não concordamos com a criação de uma nova etapa de revisão, que não estava estipulada quando a comissão foi criada, há 10 anos.”
A discussão sobre as reparações financeiras de perseguidos políticos começou quando o procurador do Ministério Público no TCU, Marinus Marsico, defendeu a revisão de todos os processos, citando indenizações pagas a algumas personalidades, como o cartunista Ziraldo. Segundo Abrão, isso demandaria um longo tempo. “Seria um retrocesso”, disse o presidente da comissão, que já concluiu 60 mil processos.
Além dos processos de Betinho, de Maria Nakano e de Azulay, a Comissão de Anistia também analisou e aprovou os casos do jornalista Mário Alves de Souza Vieira e de sua filha Lúcia Vieira Caldeira, do ex-militar Jeferson Cardim de Alencar Osório, o camponês José Moraes Silva, o bancário Raul de Carvalho — filho do líder comunista Apolônio de Carvalho — e da ex-universitária e líder estudantil Maria do Socorro. O Ministério da Justiça não soube informar os valores que serão pagos para os anistiados.
Quem são
A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça colocou nove processos em pauta, sendo que sete deles foram de pessoas perseguidas durante a ditadura. Os casos analisados são os seguintes:
Herbert José de Souza (Betinho)
Irmão do cartunista Henfil, morto em janeiro de 1988, Betinho foi um dos líderes da campanha pela anistia no Brasil. O sociólogo, um dos fundadores da Ação Popular (AP), foi perseguido pela ditadura e teve de se exilar na década de 1970, no Chile, no Panamá, no Canadá e no México, retornando ao país nove anos depois. Fundou o Instituto Brasileiro de Análises Socioeconômicas (Ibase) e defendeu o direito à dignidade dos portadores de Aids, doença que o matou em agosto de 1997, depois de contrair o vírus em uma transfusão de sangue.
Mário Alves de Souza Vieira
O jornalista foi diretor do jornal Momento e dirigiu a Voz Operária, Tribuna Popular e Novos Rumos. Depois de ter sido do PCB, fundou o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Mário Alves foi sequestrado e torturado no DOI-CODI no Rio de Janeiro, e desapareceu.
José Moraes Silva
Camponês, foi perseguido durante a Guerrilha do Araguaia, entre 1972 e 1975.
Raul de Carvalho
Filho de Apolônio de Carvalho, líder comunista banido do Brasil na ditadura, o ex-escriturário do Banco Lar Brasileiro foi preso no DOI-CODI. Teve seus direitos políticos suspensos e cumpriu pena em Ilha Grande (RJ), entre 1970 e 1972.
Jom Tob Azulay
O diplomata sofreu perseguição no Itamaraty, o que lhe rendeu uma remoção para o Consulado em Los Angeles, onde permaneceu até 1974. Afastou-se do trabalho em 1976 e iniciou a carreira de cineasta.
Jeferson Cardim de Alencar Osório
Líder da Operação Três Passos, articulada pelo movimento guerrilheiro no Rio Grande do Sul. Ex-militar do Exército e considerado comunista pelas Forças Armadas, foi reformado pelo Ato Institucional nº. 1 e condenado a oito anos de prisão em 1964. Teve suspenso seus direitos políticos por 10 anos.
Maria do Socorro
A ex-integrante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) foi perseguida e teve de abandonar a faculdade de letras em Fortaleza, e o trabalho como professora. Mudou-se para Recife e trocou de nome. Foi presa e processada e Recife e no Ceará.
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2010/08/19/brasil,i=208569/GOVERNO+ANALISA+IDENIZACOES+E+APROVA+PAGAMENTO+A+PERSEGUIDOS+POLITICOS.shtml
Postado por Sezostrys Costa.
Edson Luiz
Publicação: 19/08/2010 08:23 Atualização: 19/08/2010 08:24
Apesar da recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU), o governo vai continuar pagando as indenizações para perseguidos políticos na ditadura. Ontem, nove processos foram julgados pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Entre eles, o do sociólogo Herbert José de Souza, o Betinho, que morreu em 1997, e o do diplomata Jom Tob de Azulay, que ontem ganhou o posto de embaixador, depois de ter sido obrigado a se transferir para outro país durante o regime militar. O governo também vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão do TCU que quer a revisão de todos os casos de reparação financeira aprovados desde a criação da comissão.
A família de Betinho vai receber R$ 207 mil, que corresponde a uma diferença a que ele teria direito como técnico em educação. A viúva do sociólogo, Maria Nakano, já recebia R$ 3 mil e terá uma complementação de R$ 2,2 mil mensais. Ela, por também ter sido perseguida política quando era professora, receberá mais R$ 1,2 mil por mês e uma reparação de R$ 109 mil. Já Azulay foi reintegrado aos quadros do Itamaraty e terá o posto de embaixador. Além disso, o período em que ficou no exílio contará como tempo de serviço para a aposentadoria.
Retrocesso
Na sessão de ontem, realizada na Câmara, a Comissão de Anistia recebeu o apoio de vários deputados contra a decisão do TCU. O presidente do órgão, Paulo Abrão, garantiu que o governo vai recorrer, depois de ser notificado, e continuará a analisar os processos. “A comissão segue seus trabalhos regularmente”, afirmou Abrão, que discorda do posicionamento do tribunal. “Quanto mais controle, melhor, mas não concordamos com a criação de uma nova etapa de revisão, que não estava estipulada quando a comissão foi criada, há 10 anos.”
A discussão sobre as reparações financeiras de perseguidos políticos começou quando o procurador do Ministério Público no TCU, Marinus Marsico, defendeu a revisão de todos os processos, citando indenizações pagas a algumas personalidades, como o cartunista Ziraldo. Segundo Abrão, isso demandaria um longo tempo. “Seria um retrocesso”, disse o presidente da comissão, que já concluiu 60 mil processos.
Além dos processos de Betinho, de Maria Nakano e de Azulay, a Comissão de Anistia também analisou e aprovou os casos do jornalista Mário Alves de Souza Vieira e de sua filha Lúcia Vieira Caldeira, do ex-militar Jeferson Cardim de Alencar Osório, o camponês José Moraes Silva, o bancário Raul de Carvalho — filho do líder comunista Apolônio de Carvalho — e da ex-universitária e líder estudantil Maria do Socorro. O Ministério da Justiça não soube informar os valores que serão pagos para os anistiados.
Quem são
A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça colocou nove processos em pauta, sendo que sete deles foram de pessoas perseguidas durante a ditadura. Os casos analisados são os seguintes:
Herbert José de Souza (Betinho)
Irmão do cartunista Henfil, morto em janeiro de 1988, Betinho foi um dos líderes da campanha pela anistia no Brasil. O sociólogo, um dos fundadores da Ação Popular (AP), foi perseguido pela ditadura e teve de se exilar na década de 1970, no Chile, no Panamá, no Canadá e no México, retornando ao país nove anos depois. Fundou o Instituto Brasileiro de Análises Socioeconômicas (Ibase) e defendeu o direito à dignidade dos portadores de Aids, doença que o matou em agosto de 1997, depois de contrair o vírus em uma transfusão de sangue.
Mário Alves de Souza Vieira
O jornalista foi diretor do jornal Momento e dirigiu a Voz Operária, Tribuna Popular e Novos Rumos. Depois de ter sido do PCB, fundou o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Mário Alves foi sequestrado e torturado no DOI-CODI no Rio de Janeiro, e desapareceu.
José Moraes Silva
Camponês, foi perseguido durante a Guerrilha do Araguaia, entre 1972 e 1975.
Raul de Carvalho
Filho de Apolônio de Carvalho, líder comunista banido do Brasil na ditadura, o ex-escriturário do Banco Lar Brasileiro foi preso no DOI-CODI. Teve seus direitos políticos suspensos e cumpriu pena em Ilha Grande (RJ), entre 1970 e 1972.
Jom Tob Azulay
O diplomata sofreu perseguição no Itamaraty, o que lhe rendeu uma remoção para o Consulado em Los Angeles, onde permaneceu até 1974. Afastou-se do trabalho em 1976 e iniciou a carreira de cineasta.
Jeferson Cardim de Alencar Osório
Líder da Operação Três Passos, articulada pelo movimento guerrilheiro no Rio Grande do Sul. Ex-militar do Exército e considerado comunista pelas Forças Armadas, foi reformado pelo Ato Institucional nº. 1 e condenado a oito anos de prisão em 1964. Teve suspenso seus direitos políticos por 10 anos.
Maria do Socorro
A ex-integrante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) foi perseguida e teve de abandonar a faculdade de letras em Fortaleza, e o trabalho como professora. Mudou-se para Recife e trocou de nome. Foi presa e processada e Recife e no Ceará.
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2010/08/19/brasil,i=208569/GOVERNO+ANALISA+IDENIZACOES+E+APROVA+PAGAMENTO+A+PERSEGUIDOS+POLITICOS.shtml
Postado por Sezostrys Costa.
sábado, 14 de agosto de 2010
A luta democrática e o Araguaia
Acabo de chegar ao hotel em que estou hospedado em Marabá, depois de uma jornada de um dia inteiro andando pela mata, na Base de Selva Cabo Rosas, com militares, antropólogos, geológos, médicos legistas, Aldo Arantes e reporteres ávidos por furos e matérias de uma vida inteira.
Por vezes, naquele nicho de selva amazônica preservada, entre subidas e descidas, passando por grotas e percorrendo um terreno acidentado pensei em que tipo de coisa, afinal, estamos envolvidos?
Me vêm em mente as memórias de uma vida inteira, a militância, a honestidade que sempre devemos ter com nossas idéias, as histórias que fui colhendo de guerrilheiros e camponeses por mais de uma década. Além disso têm as andanças, currutelas, finais de tarde onde o caudaloso Araguaia parece se refugiar num céu imenso capaz de fazer sonhar todos os meninos de minha infância.
O Brasil quando se debruça sobre o Araguaia, como aspecto decisivo para a efetiva construção do direito à memória e a verdade, passa à limpo um tortuoso período da vida nacional e busca consolidar a sua democracia. E essa é a questão política de fundo que deve iluminar nossas mentes e corações.
Tal empreendimento é uma tarefa historica e necessidade para o próprio desenvolvimento da vida nacional brasileira porque o processo democrático está em construção permanente, é algo perene, em movimento, dinâmico e está vinculado à aspirações profundas no sentido de entender e interpretar o Brasil contemporâneo.
A luta a qual estamos inseridos vai se iniciar, ou pelo menos ter um marco fundamental apartir da primeira caravana de familiares que, no segundo semestre de 1980 percorreu os sertões do baixo-araguaia, sob o cutelo do controle extremo do Conselho de Segurança Nacional que, a rigor, iniciava, através do Grupo Executivo de Terras Araguaia-Tocantins (GETAT) a militarização das questões fundiárias na região do Bico-do-Papagaio. Alí, nos dois anos anteriores cerca de 250 mil hectares de terras foram ocupados pelo movimento social camponês.
Fico pensando na fibra daqueles pais e mães, já idosos, percorrendo de ônibus ou em barcos a imensa região banhada pelo rio dos karajás e todos, segundo o que conta a memória, sem reclamar de absolutamente nada, a não ser do Exército de então que fez de seus filhos pessoas desaparecidas.
Alí, naquela primeira expedição, que sistematizou um conjunto de informações sobre o conflito armado no sul do Pará, algumas questões foram indicadas e uma a uma comprovadas ao longo destes 29 anos.
A primeira verificação dos caravaneiros foi o fato de que realmente houve a guerrilha do Araguaia.
A segunda, alvo de grande debate da esquerda brasileira no início da década de 1980 era o fato se aquele movimento teve ou não apoio popular.O rigor documental, e nisto se inclui a memória camponesa, indicam amplo apoio dos camponeses à causa dos combatentes.
A terceira dizia respeito à consciência de que a população local foi absolutamente massacrada e violada em seus direitos e, a decisão de anistiar e reparar economicamente muitos daqueles torturados é um importante passivo em direitos humanos do país que agora, finalmente, vai se resolvendo.
A quarta e última conclusão da caravana de 1980 fora o fato de que muitos guerrilheiros haviam sido presos com vida e se encontravam desaparecidos.
Recentemente, o Major Curió decidiu abrir os arquivos e revelou que 41 brasileiros foram mortos covardemente, à sangue frio.
Uma pendência, como uma simbiose, acompanha todo o leito deste processo tortuoso: onde estarão os mortos e desaparecidos do Araguaia?
No curso das últimas três décadas essa questão têm aparecido na vida brasileira como um episódio que nos agrilhoa ao passado, num verdadeiro AI-5 mental que não nos deixa, em definitivo, cuidar com plenitude das tarefas do futuro no sentido de aperfeiçoar nossa vida democrática e as instituições republicanas, além de ir calcificando uma cultura política da impunidade que rebaixa, cada vez mais, a força do interesse popular no sentido de se dirigir ao centro das decisões que são tomadas em nome da maioria. Ora, porque não é em nome da verdade e da justiça que votamos ou somos votados?
A questão é que os recalcitrantes que insistem em esconder arquivos são espécimes unidos pela força gravitacional do obscurantismo que só existe e terá vida enquanto o nosso processo democrático não for aperfeiçoado. E elevar o nível da democracia brasileira passa por resolver, em definitivo, os arquivos que toda a sociedade têm direito de saber, além de fazer a entrega daqueles que continuam desaparecidos. Essa é a tarefa de feição democrática na qual nossas forças armadas, em particular o Exército é chamado à fazer.
Não é preciso ser cientista social para saber que em todo o organismo há contradições e isso se aplica aos que estão na caserna.
De um lado há setores da ativa e principalmente da reserva que acham que o resgate dos despojos é obrigação das familías e da esquerda que vão até pontos remotos da amazônia com uma picaretinha na mão escavucar para lá, no sol escaldante que faz resfolegar qualquer ser vivo, encontrar pessoas que tombaram não por banditismo, mas por defender idéias.
Essa turma elege a caricatura mais infâme do passado, o Deputado Federal Jair Bolsonaro e mantêem, via ponto com sites fascistizantes.
De outro lado, penso, pode haver setores interessados em aliviar o desgaste público das forças armadas quando questões de arquivos e desaparecidos políticos vêm a tona, seja pela decisão judicial ou novos fatos que revelam a bestialidade daqueles que comandaram o país entre 1964-1985.
Questão à saber e se haveremos de nos render aos recalcitrantes que fizeram da tortura prática contumaz do aparato estatal brasileiro. Se as forças vivas que atuam no leito desta quadra histórica não travarem o bom combate o ensaio hondurenho poderá sugerir uma alternativa para a direita neoliberal que têm presença forte na mídia, nos parlamentos e no judiciário. Aqui vale a lembrança de um lema da antiga UDN: "o preço da liberdade é a eterna vigilância".
Quando a Nação brasileira prover o milenar direito de podermos enterrar, com as honras de nossa época aqueles que lutaram pelo futuro que afinal estamos vivendo teremos consolidado importante passo para que o passado jamais retorne à nossas casas com suas madrugadas sombrias.
Cada vez mais creio que a superação de toda uma época historica é sobretudo decisão política. O redimensionamento do Grupo de Trabalho Tocantins no sentido de sua ampliação e a decidida luta pela memória nacional é o caminho seguro para o futuro que queremos ter.
Por Paulo Fonteles Filho.
Por vezes, naquele nicho de selva amazônica preservada, entre subidas e descidas, passando por grotas e percorrendo um terreno acidentado pensei em que tipo de coisa, afinal, estamos envolvidos?
Me vêm em mente as memórias de uma vida inteira, a militância, a honestidade que sempre devemos ter com nossas idéias, as histórias que fui colhendo de guerrilheiros e camponeses por mais de uma década. Além disso têm as andanças, currutelas, finais de tarde onde o caudaloso Araguaia parece se refugiar num céu imenso capaz de fazer sonhar todos os meninos de minha infância.
O Brasil quando se debruça sobre o Araguaia, como aspecto decisivo para a efetiva construção do direito à memória e a verdade, passa à limpo um tortuoso período da vida nacional e busca consolidar a sua democracia. E essa é a questão política de fundo que deve iluminar nossas mentes e corações.
Tal empreendimento é uma tarefa historica e necessidade para o próprio desenvolvimento da vida nacional brasileira porque o processo democrático está em construção permanente, é algo perene, em movimento, dinâmico e está vinculado à aspirações profundas no sentido de entender e interpretar o Brasil contemporâneo.
A luta a qual estamos inseridos vai se iniciar, ou pelo menos ter um marco fundamental apartir da primeira caravana de familiares que, no segundo semestre de 1980 percorreu os sertões do baixo-araguaia, sob o cutelo do controle extremo do Conselho de Segurança Nacional que, a rigor, iniciava, através do Grupo Executivo de Terras Araguaia-Tocantins (GETAT) a militarização das questões fundiárias na região do Bico-do-Papagaio. Alí, nos dois anos anteriores cerca de 250 mil hectares de terras foram ocupados pelo movimento social camponês.
Fico pensando na fibra daqueles pais e mães, já idosos, percorrendo de ônibus ou em barcos a imensa região banhada pelo rio dos karajás e todos, segundo o que conta a memória, sem reclamar de absolutamente nada, a não ser do Exército de então que fez de seus filhos pessoas desaparecidas.
Alí, naquela primeira expedição, que sistematizou um conjunto de informações sobre o conflito armado no sul do Pará, algumas questões foram indicadas e uma a uma comprovadas ao longo destes 29 anos.
A primeira verificação dos caravaneiros foi o fato de que realmente houve a guerrilha do Araguaia.
A segunda, alvo de grande debate da esquerda brasileira no início da década de 1980 era o fato se aquele movimento teve ou não apoio popular.O rigor documental, e nisto se inclui a memória camponesa, indicam amplo apoio dos camponeses à causa dos combatentes.
A terceira dizia respeito à consciência de que a população local foi absolutamente massacrada e violada em seus direitos e, a decisão de anistiar e reparar economicamente muitos daqueles torturados é um importante passivo em direitos humanos do país que agora, finalmente, vai se resolvendo.
A quarta e última conclusão da caravana de 1980 fora o fato de que muitos guerrilheiros haviam sido presos com vida e se encontravam desaparecidos.
Recentemente, o Major Curió decidiu abrir os arquivos e revelou que 41 brasileiros foram mortos covardemente, à sangue frio.
Uma pendência, como uma simbiose, acompanha todo o leito deste processo tortuoso: onde estarão os mortos e desaparecidos do Araguaia?
No curso das últimas três décadas essa questão têm aparecido na vida brasileira como um episódio que nos agrilhoa ao passado, num verdadeiro AI-5 mental que não nos deixa, em definitivo, cuidar com plenitude das tarefas do futuro no sentido de aperfeiçoar nossa vida democrática e as instituições republicanas, além de ir calcificando uma cultura política da impunidade que rebaixa, cada vez mais, a força do interesse popular no sentido de se dirigir ao centro das decisões que são tomadas em nome da maioria. Ora, porque não é em nome da verdade e da justiça que votamos ou somos votados?
A questão é que os recalcitrantes que insistem em esconder arquivos são espécimes unidos pela força gravitacional do obscurantismo que só existe e terá vida enquanto o nosso processo democrático não for aperfeiçoado. E elevar o nível da democracia brasileira passa por resolver, em definitivo, os arquivos que toda a sociedade têm direito de saber, além de fazer a entrega daqueles que continuam desaparecidos. Essa é a tarefa de feição democrática na qual nossas forças armadas, em particular o Exército é chamado à fazer.
Não é preciso ser cientista social para saber que em todo o organismo há contradições e isso se aplica aos que estão na caserna.
De um lado há setores da ativa e principalmente da reserva que acham que o resgate dos despojos é obrigação das familías e da esquerda que vão até pontos remotos da amazônia com uma picaretinha na mão escavucar para lá, no sol escaldante que faz resfolegar qualquer ser vivo, encontrar pessoas que tombaram não por banditismo, mas por defender idéias.
Essa turma elege a caricatura mais infâme do passado, o Deputado Federal Jair Bolsonaro e mantêem, via ponto com sites fascistizantes.
De outro lado, penso, pode haver setores interessados em aliviar o desgaste público das forças armadas quando questões de arquivos e desaparecidos políticos vêm a tona, seja pela decisão judicial ou novos fatos que revelam a bestialidade daqueles que comandaram o país entre 1964-1985.
Questão à saber e se haveremos de nos render aos recalcitrantes que fizeram da tortura prática contumaz do aparato estatal brasileiro. Se as forças vivas que atuam no leito desta quadra histórica não travarem o bom combate o ensaio hondurenho poderá sugerir uma alternativa para a direita neoliberal que têm presença forte na mídia, nos parlamentos e no judiciário. Aqui vale a lembrança de um lema da antiga UDN: "o preço da liberdade é a eterna vigilância".
Quando a Nação brasileira prover o milenar direito de podermos enterrar, com as honras de nossa época aqueles que lutaram pelo futuro que afinal estamos vivendo teremos consolidado importante passo para que o passado jamais retorne à nossas casas com suas madrugadas sombrias.
Cada vez mais creio que a superação de toda uma época historica é sobretudo decisão política. O redimensionamento do Grupo de Trabalho Tocantins no sentido de sua ampliação e a decidida luta pela memória nacional é o caminho seguro para o futuro que queremos ter.
Por Paulo Fonteles Filho.
Sinvaldo, o campesino
Às vezes, noite alta, Sinvaldo volta a minha memória com aquele sorriso e voz rouca, inquebrantável, incentivando-me a entrar nas casas simples, nas choças, nas vidas vividas no mato, andar a cavalo ou a pé, talvez com Raimundo Lagoa, talvez com Zé da Onça, talvez com Peixinho ou ter um dedo de prosa com Vanú.
Buscava, Sinvaldo, os vestígios da luta popular no sul do Pará.
Olhando as estrelas no Araguaia reportava-se das suas andanças com Nunes, com Nelito, com Zé Carlos, com Duda, com Piauí, com Fátima, com Sônia. Seus olhos de peão do mato, de homem duro da roça aguavam-se com a lembrança de seu mais antigo e casto amor: Cristina.
- Moço de deus, Cristina era a ‘flor da mata’! Era a boniteza em pessoa. Quando eu saí, com a mulher e o primeiro filho, pelo Taurizinho, eu a convidei para sair também, dizendo-lhe: ‘vamos embora, Cristina, que a cobra vai fumá!’.
- E ela me disse: ‘moço, meu lugar é aqui, meu lugar é com meus companheiros, lutando para livrar o país dessa ditadura fascista! Vai, companheiro, tira a tua mulher e teu filho daqui. No futuro, não te esqueças de contar a nossa história’.
Também amei Cristina no amor de Sinvaldo.
No fundo das redes camponesas toquei o coração da guerrilheira com mãos de centelha e na substância metálica da lua fui mata em ventania, protesto em liberdade, igarapés de águas minerais.
Altivo como as noites araguaicas meus pés firmaram-se no chão da luta popular.
Nossa convivência fora intensa e de ensinamentos mútuos.
Afinal, não é assim que deve ser a relação entre os homens?
No sol amazônico cavalgávamos pelo Caçador, buscando os relatos que nos indicassem o destino dos combatentes, cruzando as várias informações, declamando poemas guerrilheiros, ascultando os sentimentos do povo, comendo o que nos ofereciam e verdade seja dita: havia sempre uma galinha caipira para saciar as nossas fomes andarilhas e uma cama ou rede para aplacar o cansaço de longas jornadas.
Na madrugada profunda do tempo da guerra, dizia-me Sinvaldo, podia-se ouvir o barulho das metralhas e a mata incendiando-se.
Foi na Brasil-Espanha que Fátima fora alvejada nas pernas depois que sua ‘lurdinha’ travou na hora do chafurdo com uma tropa. E Sinvaldo gesticulava, procurando imitar a angústia da combatente no momento do fogo. Ferida, foi levada para as Oito Barracas no lombo de um burro e nos Croá é morta e enterrada a mando do Major Curió.
Depois de nossas andanças por aqueles sertões, orientados por um ex-mateiro do Exército, o ‘nego’ Olimpio, ficamos sabendo que dois dias depois, numa manhã perdida de Setembro de 1996, o Major Curió aportou na casa de nosso informante oferecendo-lhe dinheiro ou terras para que seu antigo comandado não passasse informações para os comunas.
Daqui, de minhas lembranças, acarinho a profunda amizade estabelecida com aquele lavrador que não largava o chapéu se recusava a raspar o bigode.
Acometido por um câncer no estomago, deixou-nos há alguns anos e mesmo na fase terminal da enfermidade procurava manter o compromisso estabelecido com Cristina, a ‘flor da mata’, à beira do Taurizinho: de dar vida às vidas generosas daqueles que no Araguaia tombaram.
Mantendo viva a memória araguaiana, aquele destemido e corajoso campesino buscava compreender os feitos de sua classe.
A inexorável e heróica luta dos camponeses em nosso país.
Por Paulo Fonteles Filho.
Buscava, Sinvaldo, os vestígios da luta popular no sul do Pará.
Olhando as estrelas no Araguaia reportava-se das suas andanças com Nunes, com Nelito, com Zé Carlos, com Duda, com Piauí, com Fátima, com Sônia. Seus olhos de peão do mato, de homem duro da roça aguavam-se com a lembrança de seu mais antigo e casto amor: Cristina.
- Moço de deus, Cristina era a ‘flor da mata’! Era a boniteza em pessoa. Quando eu saí, com a mulher e o primeiro filho, pelo Taurizinho, eu a convidei para sair também, dizendo-lhe: ‘vamos embora, Cristina, que a cobra vai fumá!’.
- E ela me disse: ‘moço, meu lugar é aqui, meu lugar é com meus companheiros, lutando para livrar o país dessa ditadura fascista! Vai, companheiro, tira a tua mulher e teu filho daqui. No futuro, não te esqueças de contar a nossa história’.
Também amei Cristina no amor de Sinvaldo.
No fundo das redes camponesas toquei o coração da guerrilheira com mãos de centelha e na substância metálica da lua fui mata em ventania, protesto em liberdade, igarapés de águas minerais.
Altivo como as noites araguaicas meus pés firmaram-se no chão da luta popular.
Nossa convivência fora intensa e de ensinamentos mútuos.
Afinal, não é assim que deve ser a relação entre os homens?
No sol amazônico cavalgávamos pelo Caçador, buscando os relatos que nos indicassem o destino dos combatentes, cruzando as várias informações, declamando poemas guerrilheiros, ascultando os sentimentos do povo, comendo o que nos ofereciam e verdade seja dita: havia sempre uma galinha caipira para saciar as nossas fomes andarilhas e uma cama ou rede para aplacar o cansaço de longas jornadas.
Na madrugada profunda do tempo da guerra, dizia-me Sinvaldo, podia-se ouvir o barulho das metralhas e a mata incendiando-se.
Foi na Brasil-Espanha que Fátima fora alvejada nas pernas depois que sua ‘lurdinha’ travou na hora do chafurdo com uma tropa. E Sinvaldo gesticulava, procurando imitar a angústia da combatente no momento do fogo. Ferida, foi levada para as Oito Barracas no lombo de um burro e nos Croá é morta e enterrada a mando do Major Curió.
Depois de nossas andanças por aqueles sertões, orientados por um ex-mateiro do Exército, o ‘nego’ Olimpio, ficamos sabendo que dois dias depois, numa manhã perdida de Setembro de 1996, o Major Curió aportou na casa de nosso informante oferecendo-lhe dinheiro ou terras para que seu antigo comandado não passasse informações para os comunas.
Daqui, de minhas lembranças, acarinho a profunda amizade estabelecida com aquele lavrador que não largava o chapéu se recusava a raspar o bigode.
Acometido por um câncer no estomago, deixou-nos há alguns anos e mesmo na fase terminal da enfermidade procurava manter o compromisso estabelecido com Cristina, a ‘flor da mata’, à beira do Taurizinho: de dar vida às vidas generosas daqueles que no Araguaia tombaram.
Mantendo viva a memória araguaiana, aquele destemido e corajoso campesino buscava compreender os feitos de sua classe.
A inexorável e heróica luta dos camponeses em nosso país.
Por Paulo Fonteles Filho.
Dossiê Araguaia Parte I
Guerrilha do Araguaia teve inicio num período em que todos os canais de respiração política da sociedade brasileira estavam amordaçados. Foi um tempo em que a classe operária estava impedida de reivindicar os seus mínimos direitos, a imprensa se encontrava censurada, os livros apreendidos, artistas espancados e os estudantes proibidos de protestar ou mesmo estudar. Prepostos do governo norte-americano prestavam luxuoso auxílio aos torturadores brasileiros e uma parcela significativa da intelectualidade aderindo ou pelo menos silenciando ante ao massacre quase que diário de patriotas que morriam nas câmaras de tortura do sistema, ou em lutas desiguais contra os órgãos de repressão.
É por volta de 1966 que ela começa a se organizar. Surge em decorrência de enfrentar a ditadura terrorista através da luta armada. Solução extremada, quando as contradições chegaram a um grau tão agudo que, na opinião do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), organizador e dirigente do levante armado no sul do Pará, a luta pelas armas se apresentava como o único caminho viável para pôr fim ao estado de exceção inaugurado à 31 de março de 1964.
Um grupo de brasileiros, em sua grande maioria de jovens universitários, perseguidos pelo regime ditatorial começa a se aglutinar, ligarem-se as massas camponesas da região do Araguaia. Os futuros combatentes vindos de várias partes do país procuraram tomar contato com as massas locais, viviam e discutiam com elas, partilhando de sua situação de oprimidas. Os primeiros, Osvaldo Orlando da Costa, Daniel Callado e Amaro Lins chegaram à cidade de Conceição do Araguaia no inverno de 1967 quando as águas caudalosas do generoso rio dos karajás estavam transbordantes.
Logo depois, em dezembro do mesmo ano desembarca na Faveira, hoje município de São João do Araguaia, o ex-Deputado Constituinte de 1946 e membro do birô político do partido dos comunistas, Mauricio Grabois.
Quando a Guerrilha teve inicio, em 12 de abril de 1972, o Brasil era presidido pelo General Emílio Garrastazu Médici que, na opinião de muitos pesquisadores sobre a ditadura militar brasileira protagonizou o período mais sangrento daqueles "anos de chumbo". Tal período teve como referência fundamental os pressupostos do Ato Constitucional №.5 – o AI-5-, baixado por Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968 que aumentou os poderes do Presidente da República e reduziu as liberdades individuais e coletivas. Permitiu a cassação de mandatos políticos, a suspensão de direitos civis e a censura.
O regime dos generais se mantinha graças ao sucesso da economia e à repressão aos adversários. O país crescia à média de 11% ao ano; a taxa de desemprego era de aproximadamente 3,5%. No inicio da ditadura, a inflação chegava a 80% ao ano. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) estava em 1,6%. O governo adotou uma política recessiva e monetarista. Os objetivos eram: sanear a economia e baixar a inflação para 10% ao ano, criar condições para que o PIB crescesse 6% e equilibrar o balanço de pagamentos.
A economia deu um salto em 1970. Investimentos externos ampliaram a capacidade produtiva e o "milagre" deu-se até 1973. A partir de 1974 o crescimento começou a declinar. No fim da década, a inflação chegou a 94,7% . O "milagre" revelou fraqueza no campo social. Houve tendência à concentração de renda e o rápido crescimento beneficiou mais a mão-de-obra especializada. O salário mínimo baixou, e Médici chegou a afirmar em 1971: "O país vai bem e o povo vai mal".
Mesmo com o choque do Petróleo em 1974, a economia cresceu 6,7% ao ano. Quando o governo militar acabou, em 1985, deixou a herança de uma dívida de US$ 102 bilhões, contra apenas US$ 3,3 bilhões em 1964.
O regime tratou a Amazônia dentro da doutrina de segurança nacional. A riqueza das florestas, dos rios e do subsolo, com alta incidência de cristais, despertava interesses externos e internos. A construção da Transamazônica atendia à estratégia de ocupação territorial e dava ao governo uma obra monumental para simbolizar o "milagre". O primeiro trecho, entre Estreito (MA) e Marabá (PA), foi aberto em 1◦ de setembro de 1970.
Enquanto rasgava a floresta virgem, o governo abria uma temporada de incentivos para a exploração da madeira, minérios e pecuária. Criou o Banco da Amazônia (BASA) e a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Em 1970, Médici lançou o Programa de Integração Nacional (PIN), com a meta de assentar 100 mil famílias ao longo da Transamazônica. Migrantes chegavam à busca de ouro e cristais. Outros queriam um naco da floresta para colher castanha ou terra para plantar. Abriam clareiras com fogo, faziam casas e tomavam posse.
Quando o Exército realizou a Operação Mesopotâmia, no Maranhão e no norte de Goiás, hoje Tocantins, perto dali, montava-se as bases da maior iniciativa de luta armada em território brasileiro desde a Guerra de Canudos. As cidades investigadas em agosto de 1971 faziam parte da rota dos militantes do partido, enviados para a guerrilha.
Os comunistas caracterizavam a ditadura militar como expressão política do imperialismo, do grande capital brasileiro e do latifúndio. Foi na VI Conferência, realizada na clandestinidade em São Paulo, em 1966, que aprovou-se o documento "União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista".
A resolução dessa conferência expôs a tática do PCdoB e as discussões indicavam para a luta armada no campo. E é na continuidade dessa abordagem que amadurece a decisão do empreendimento de um movimento de resistência popular no Araguaia – dando origem à Guerrilha quando as forças da repressão invadiram a região no inicio de 1972.
Nos grandes centros urbanos houve uma escalada do terror oficial depois da edição do AI-5 e a situação agravou-se quando em setembro de 1970, a Presidência da República expediu a "Diretriz Presidencial de Segurança Interna", determinando que cada Comando de Exército passasse a ter um Destacamento de Operações de Informações (DOI) e um Centro de Operações de Informações (Codi). Para o regime significava a extensão da experiência de unificar as ações repressivas da Operação Bandeirante (Oban), de São Paulo, para todo o país. A ditadura criava, com essa medida, máquinas poderosas e interligadas de torturas e assassinatos – sob a cobertura "legal" da Presidência da República.
Em São Paulo, o DOI-Codi do II Exercito, comandado pelo perverso major Carlos Alberto Brilhante Ustra, promovia uma verdadeira chacina contra a resistência democrática e a guerrilha urbana. Nesse clima, permanecer nas cidades era um jogo absolutamente arriscado.
A decisão pelo Araguaia deveu-se a avaliação de que a região do Bico do Papagaio oferecia excelentes condições para a instalação de uma frente de luta armada. A floresta amazônica teve papel decisivo. O PC do B se espelhava em iniciativas semelhantes adotadas em países como Vietnã, Malásia e Angola.
A mata fechada protegeria os militantes e tornaria inútil a artilharia pesada das Forças Armadas. A caça abundante e outros alimentos extraídos da selva, como o babaçu e castanha, facilitariam a sobrevivência dos guerrilheiros.
O rio Araguaia significaria fartura de peixes e facilidade de deslocamento em pequenas embarcações. E serviria de obstáculo natural para a movimentação de tropas regulares. O transporte terrestre constituiria mais um problema para os militares. Trilhas e picadas formariam um imenso labirinto de caminhos tortuosos, subidas e descidas, grotas e igarapés. Experientes nas caminhadas e nas viagens em lombos de burro por toda a região, os guerrilheiros disporiam de larga vantagem.
Nos estudos feitos pelos comunistas, aviões e helicópteros teriam aproveitamento limitado na guerra de guerrilha e, na mata fechada funcionariam apenas como meio de transporte, sem utilidade em combates. Sem treinamento especifico, pára-quedistas se transformariam em soldados de infantaria, com as mesmas dificuldades de adaptação às condições de luta.
A imensidão de terras desabitadas permitiria aos grupos armados vasto campo de manobras, distribuídos pelos estados de Goiás, Maranhão, Pará e Mato Grosso.
As Forças Armadas teriam que montar acampamentos às margens da Transamazônica e da Belém-Brasilia, previam os comunistas. Isolados em longos trechos de estradas, os postos militares se tornariam alvos fáceis para os ataques de surpresa dos guerrilheiros.
Os comunistas também contavam com as dificuldades de abastecimento das tropas regulares. As cidades da região não dispunham de estrutura para abrigar e alimentar tropas para uma grande manobra militar. Quando tentassem transportar suprimentos de Goiânia, Anápolis, Brasília e Belém, sofreriam ataques de sabotagem.
O PC do B planejava nesse primeiro momento implantar três frentes guerrilheiras. Uma em Goiás, outra no Maranhão e, a terceira no Pará. As duas primeiras foram abortadas muito cedo por falta de condições materiais. O partido concentrou, então, todos os esforços nas bases montadas ao longo de 130 km, nos municípios paraenses de Conceição do Araguaia, São João do Araguaia e Marabá.
A deflagração de uma guerra popular prolongada, nos moldes aplicados por Mão Tse-Tung, permitiria a criação de uma zona liberada, controlada pelo movimento armado e sem a presença militar do governo. Pela estratégia imaginada, o sucesso da iniciativa no centro do país estenderia a guerrilha para o Nordeste, região mais populosa, castigada pela pobreza e berço natal de boa parte da população do Araguaia.
A Amazônia recebe nesse tempo, a cada dia, mais famílias fugidas da fome e da seca no Maranhão, Piauí, Ceará e Bahia. A maioria chega determinada a brigar pela sobrevivência. O sonho por um pedaço de terra esbarra nos grileiros, nos pistoleiros, na polícia e nos políticos corruptos.
Os camponeses revoltados com a miséria e com os desmandos dos poderosos formariam a massa que engrossaria os destacamentos guerrilheiros treinados para iniciar uma revolução popular. Outros moradores formariam uma extensa rede de apoio. As primeiras vitórias contra as Forças Armadas, na previsão dos comunistas, poderiam atrair revolucionários e organizações opositoras ao regime para o teatro das operações. As derrotas sofridas pela guerrilha urbana empurrariam militantes das cidades para o campo e reforçariam a luta armada do Araguaia.
Os organizadores da guerrilha têm como certo o apoio maciço da população. Mesmo que no inicio os militares se utilizassem de métodos demagógicos para tentar aproximação, cedo ou tarde partiriam para a violência e se isolariam dos moradores. As Forças Armadas, por esse entendimento, estariam enfraquecidas e os comunistas poderiam comandar a formação de um exército regular para combater as tropas oficiais.
No bojo dos acontecimentos do processo de colonização amazônica uma nova e conflituosa realidade vai se espraiando nas terras araguaianas. A partir de 1970 intensificou-se a grilagem. Falsos proprietários, mancomunados com a polícia e utilizando-se largamente de pistoleiros, começaram a expulsar antigos moradores de suas glebas.
A Sudam respaldava a ação predatória dos grileiros, aprovando projetos mirabolantes sem considerar a origem da propriedade neles indicada. Centenas de famílias camponesas foram, à força, expulsas de suas terras.
Próximo de Xambioá, no então vilarejo de São Geraldo, um grileiro de nome Antonino exigiu a retirada de duzentas famílias de uma área que dizia ser sua.
Às margens do Gameleira, pequeno rio que deságua na altura da cachoeira de Santa Izabel, um capitão reformado da Aeronáutica tratava de incorporar à Capingo as zonas adjacentes sem quaisquer indenização aos que lá viviam. Na ilha de São Vicente, defronte de Araguatins, duas centenas de lavradores receberam intimação para deixar suas moradas. Mais além, em São Domingos do Capim, seiscentas famílias eram atiradas ao desabrigo pelos latifundiários da empresa agropastoril Paraporã.
O descontentamento crescia enormemente entre os trabalhadores rurais que se recusavam a abandonar suas terras porque se agudizavam as ações arbitrárias e violentas das polícias dos estados envolvidos. As Forças Armadas, em fins de 1970, haviam realizado manobras militares na área do Araguaia-Tocantins com propósitos intimidativos.
Por Paulo Fonteles Filho.
É por volta de 1966 que ela começa a se organizar. Surge em decorrência de enfrentar a ditadura terrorista através da luta armada. Solução extremada, quando as contradições chegaram a um grau tão agudo que, na opinião do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), organizador e dirigente do levante armado no sul do Pará, a luta pelas armas se apresentava como o único caminho viável para pôr fim ao estado de exceção inaugurado à 31 de março de 1964.
Um grupo de brasileiros, em sua grande maioria de jovens universitários, perseguidos pelo regime ditatorial começa a se aglutinar, ligarem-se as massas camponesas da região do Araguaia. Os futuros combatentes vindos de várias partes do país procuraram tomar contato com as massas locais, viviam e discutiam com elas, partilhando de sua situação de oprimidas. Os primeiros, Osvaldo Orlando da Costa, Daniel Callado e Amaro Lins chegaram à cidade de Conceição do Araguaia no inverno de 1967 quando as águas caudalosas do generoso rio dos karajás estavam transbordantes.
Logo depois, em dezembro do mesmo ano desembarca na Faveira, hoje município de São João do Araguaia, o ex-Deputado Constituinte de 1946 e membro do birô político do partido dos comunistas, Mauricio Grabois.
Quando a Guerrilha teve inicio, em 12 de abril de 1972, o Brasil era presidido pelo General Emílio Garrastazu Médici que, na opinião de muitos pesquisadores sobre a ditadura militar brasileira protagonizou o período mais sangrento daqueles "anos de chumbo". Tal período teve como referência fundamental os pressupostos do Ato Constitucional №.5 – o AI-5-, baixado por Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968 que aumentou os poderes do Presidente da República e reduziu as liberdades individuais e coletivas. Permitiu a cassação de mandatos políticos, a suspensão de direitos civis e a censura.
O regime dos generais se mantinha graças ao sucesso da economia e à repressão aos adversários. O país crescia à média de 11% ao ano; a taxa de desemprego era de aproximadamente 3,5%. No inicio da ditadura, a inflação chegava a 80% ao ano. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) estava em 1,6%. O governo adotou uma política recessiva e monetarista. Os objetivos eram: sanear a economia e baixar a inflação para 10% ao ano, criar condições para que o PIB crescesse 6% e equilibrar o balanço de pagamentos.
A economia deu um salto em 1970. Investimentos externos ampliaram a capacidade produtiva e o "milagre" deu-se até 1973. A partir de 1974 o crescimento começou a declinar. No fim da década, a inflação chegou a 94,7% . O "milagre" revelou fraqueza no campo social. Houve tendência à concentração de renda e o rápido crescimento beneficiou mais a mão-de-obra especializada. O salário mínimo baixou, e Médici chegou a afirmar em 1971: "O país vai bem e o povo vai mal".
Mesmo com o choque do Petróleo em 1974, a economia cresceu 6,7% ao ano. Quando o governo militar acabou, em 1985, deixou a herança de uma dívida de US$ 102 bilhões, contra apenas US$ 3,3 bilhões em 1964.
O regime tratou a Amazônia dentro da doutrina de segurança nacional. A riqueza das florestas, dos rios e do subsolo, com alta incidência de cristais, despertava interesses externos e internos. A construção da Transamazônica atendia à estratégia de ocupação territorial e dava ao governo uma obra monumental para simbolizar o "milagre". O primeiro trecho, entre Estreito (MA) e Marabá (PA), foi aberto em 1◦ de setembro de 1970.
Enquanto rasgava a floresta virgem, o governo abria uma temporada de incentivos para a exploração da madeira, minérios e pecuária. Criou o Banco da Amazônia (BASA) e a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Em 1970, Médici lançou o Programa de Integração Nacional (PIN), com a meta de assentar 100 mil famílias ao longo da Transamazônica. Migrantes chegavam à busca de ouro e cristais. Outros queriam um naco da floresta para colher castanha ou terra para plantar. Abriam clareiras com fogo, faziam casas e tomavam posse.
Quando o Exército realizou a Operação Mesopotâmia, no Maranhão e no norte de Goiás, hoje Tocantins, perto dali, montava-se as bases da maior iniciativa de luta armada em território brasileiro desde a Guerra de Canudos. As cidades investigadas em agosto de 1971 faziam parte da rota dos militantes do partido, enviados para a guerrilha.
Os comunistas caracterizavam a ditadura militar como expressão política do imperialismo, do grande capital brasileiro e do latifúndio. Foi na VI Conferência, realizada na clandestinidade em São Paulo, em 1966, que aprovou-se o documento "União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista".
A resolução dessa conferência expôs a tática do PCdoB e as discussões indicavam para a luta armada no campo. E é na continuidade dessa abordagem que amadurece a decisão do empreendimento de um movimento de resistência popular no Araguaia – dando origem à Guerrilha quando as forças da repressão invadiram a região no inicio de 1972.
Nos grandes centros urbanos houve uma escalada do terror oficial depois da edição do AI-5 e a situação agravou-se quando em setembro de 1970, a Presidência da República expediu a "Diretriz Presidencial de Segurança Interna", determinando que cada Comando de Exército passasse a ter um Destacamento de Operações de Informações (DOI) e um Centro de Operações de Informações (Codi). Para o regime significava a extensão da experiência de unificar as ações repressivas da Operação Bandeirante (Oban), de São Paulo, para todo o país. A ditadura criava, com essa medida, máquinas poderosas e interligadas de torturas e assassinatos – sob a cobertura "legal" da Presidência da República.
Em São Paulo, o DOI-Codi do II Exercito, comandado pelo perverso major Carlos Alberto Brilhante Ustra, promovia uma verdadeira chacina contra a resistência democrática e a guerrilha urbana. Nesse clima, permanecer nas cidades era um jogo absolutamente arriscado.
A decisão pelo Araguaia deveu-se a avaliação de que a região do Bico do Papagaio oferecia excelentes condições para a instalação de uma frente de luta armada. A floresta amazônica teve papel decisivo. O PC do B se espelhava em iniciativas semelhantes adotadas em países como Vietnã, Malásia e Angola.
A mata fechada protegeria os militantes e tornaria inútil a artilharia pesada das Forças Armadas. A caça abundante e outros alimentos extraídos da selva, como o babaçu e castanha, facilitariam a sobrevivência dos guerrilheiros.
O rio Araguaia significaria fartura de peixes e facilidade de deslocamento em pequenas embarcações. E serviria de obstáculo natural para a movimentação de tropas regulares. O transporte terrestre constituiria mais um problema para os militares. Trilhas e picadas formariam um imenso labirinto de caminhos tortuosos, subidas e descidas, grotas e igarapés. Experientes nas caminhadas e nas viagens em lombos de burro por toda a região, os guerrilheiros disporiam de larga vantagem.
Nos estudos feitos pelos comunistas, aviões e helicópteros teriam aproveitamento limitado na guerra de guerrilha e, na mata fechada funcionariam apenas como meio de transporte, sem utilidade em combates. Sem treinamento especifico, pára-quedistas se transformariam em soldados de infantaria, com as mesmas dificuldades de adaptação às condições de luta.
A imensidão de terras desabitadas permitiria aos grupos armados vasto campo de manobras, distribuídos pelos estados de Goiás, Maranhão, Pará e Mato Grosso.
As Forças Armadas teriam que montar acampamentos às margens da Transamazônica e da Belém-Brasilia, previam os comunistas. Isolados em longos trechos de estradas, os postos militares se tornariam alvos fáceis para os ataques de surpresa dos guerrilheiros.
Os comunistas também contavam com as dificuldades de abastecimento das tropas regulares. As cidades da região não dispunham de estrutura para abrigar e alimentar tropas para uma grande manobra militar. Quando tentassem transportar suprimentos de Goiânia, Anápolis, Brasília e Belém, sofreriam ataques de sabotagem.
O PC do B planejava nesse primeiro momento implantar três frentes guerrilheiras. Uma em Goiás, outra no Maranhão e, a terceira no Pará. As duas primeiras foram abortadas muito cedo por falta de condições materiais. O partido concentrou, então, todos os esforços nas bases montadas ao longo de 130 km, nos municípios paraenses de Conceição do Araguaia, São João do Araguaia e Marabá.
A deflagração de uma guerra popular prolongada, nos moldes aplicados por Mão Tse-Tung, permitiria a criação de uma zona liberada, controlada pelo movimento armado e sem a presença militar do governo. Pela estratégia imaginada, o sucesso da iniciativa no centro do país estenderia a guerrilha para o Nordeste, região mais populosa, castigada pela pobreza e berço natal de boa parte da população do Araguaia.
A Amazônia recebe nesse tempo, a cada dia, mais famílias fugidas da fome e da seca no Maranhão, Piauí, Ceará e Bahia. A maioria chega determinada a brigar pela sobrevivência. O sonho por um pedaço de terra esbarra nos grileiros, nos pistoleiros, na polícia e nos políticos corruptos.
Os camponeses revoltados com a miséria e com os desmandos dos poderosos formariam a massa que engrossaria os destacamentos guerrilheiros treinados para iniciar uma revolução popular. Outros moradores formariam uma extensa rede de apoio. As primeiras vitórias contra as Forças Armadas, na previsão dos comunistas, poderiam atrair revolucionários e organizações opositoras ao regime para o teatro das operações. As derrotas sofridas pela guerrilha urbana empurrariam militantes das cidades para o campo e reforçariam a luta armada do Araguaia.
Os organizadores da guerrilha têm como certo o apoio maciço da população. Mesmo que no inicio os militares se utilizassem de métodos demagógicos para tentar aproximação, cedo ou tarde partiriam para a violência e se isolariam dos moradores. As Forças Armadas, por esse entendimento, estariam enfraquecidas e os comunistas poderiam comandar a formação de um exército regular para combater as tropas oficiais.
No bojo dos acontecimentos do processo de colonização amazônica uma nova e conflituosa realidade vai se espraiando nas terras araguaianas. A partir de 1970 intensificou-se a grilagem. Falsos proprietários, mancomunados com a polícia e utilizando-se largamente de pistoleiros, começaram a expulsar antigos moradores de suas glebas.
A Sudam respaldava a ação predatória dos grileiros, aprovando projetos mirabolantes sem considerar a origem da propriedade neles indicada. Centenas de famílias camponesas foram, à força, expulsas de suas terras.
Próximo de Xambioá, no então vilarejo de São Geraldo, um grileiro de nome Antonino exigiu a retirada de duzentas famílias de uma área que dizia ser sua.
Às margens do Gameleira, pequeno rio que deságua na altura da cachoeira de Santa Izabel, um capitão reformado da Aeronáutica tratava de incorporar à Capingo as zonas adjacentes sem quaisquer indenização aos que lá viviam. Na ilha de São Vicente, defronte de Araguatins, duas centenas de lavradores receberam intimação para deixar suas moradas. Mais além, em São Domingos do Capim, seiscentas famílias eram atiradas ao desabrigo pelos latifundiários da empresa agropastoril Paraporã.
O descontentamento crescia enormemente entre os trabalhadores rurais que se recusavam a abandonar suas terras porque se agudizavam as ações arbitrárias e violentas das polícias dos estados envolvidos. As Forças Armadas, em fins de 1970, haviam realizado manobras militares na área do Araguaia-Tocantins com propósitos intimidativos.
Por Paulo Fonteles Filho.
Dossiê Araguaia - Parte II
Em 12 de Abril de 1972 várias tropas oficiais atacam simultaneamente no Araguaia, numa operação repressiva de grande envergadura, chamada Axixá, e a partir daquela data o sul do Pará irá conhecer toda selvageria do regime dos generais.
Os contingentes da opressão atacaram moradores dos sertões do Araguaia, buscando prender e liquidar fisicamente os elementos mais pujantes da massa seja pela clareza política ou decisão férrea de participar da luta e, ao mesmo tempo atemorizar e subjugar todo o povo daqueles rincões. Usando aviões e helicópteros, lanchas da Marinha de Guerra e milhares de soldados, ocuparam a região que vai de Conceição do Araguaia, passando por Xambioá até Marabá. Através de estradas e picadas, penetraram na selva em busca de "subversivos" e exigiam a imediata capitulação dos camponeses. Ao invés de submeterem-se, muitos, os mais resolutos, resolveram revidar as agressões da ditadura.
O Exercito empreendeu três grandes e aparatosas campanhas de Cerco e Aniquilamento contra os guerrilheiros do PC do B. Toda essa movimentação militar durou dois anos e nove meses, de abril de 1972 a janeiro de 1975. Em conjunto com a Aeronáutica, a Marinha e Policias Militares, contando com modernos armamentos e vastos recursos materiais, além de utilizarem-se do apoio de grandes empresas como a Camargo Corrêa e a Mendes Junior. Na primeira campanha, entre abril /junho de 1972 pôs-se em ação 5 mil homens; na segunda, entre setembro/novembro de 1972, empregou 15 mil homens; na terceira, entre outubro de 1973 até maio de 1974 mobilizou-se entre 5 a 6 mil soldados.
No conjunto das ações repressivas todas as cidades, vilas e currutelas da região foram invadidas por tropas ensandecidas, além de fazendas e sedes de castanhais. Muitas centenas de trabalhadores rurais foram presos, espancados e torturados, seus barracos foram queimados e roças destruídas, com seus paiós de milho e arroz. Populares foram assassinados e muitos dos aprisionados ou feridos em combate tiveram suas vidas ceifadas friamente. Padres e freiras foram submetidos a vexames e humilhações, além de comerciantes e pessoas influentes.
O governo federal de então criou, ainda, cinco batalhões de Infantaria de Selva e construiu rapidamente enormes instalações militares na Amazônia, além das muitas estradas para articular a movimentação de tropas. A região foi praticamente isolada do resto do país e, para se ter idéia foram confeccionadas carteiras especiais de identificação para que as gentes pudessem circular em toda área deflagrada.
O Exército recorreu ao expediente da chamada Operação Aciso, fornecendo remédios e extraindo dentes, procurando iludir os camponeses pobres do Araguaia. O Incra, por seu turno, fez promessas de legalização de posses. No curso das manobras militares foram gastos vultosos recursos financeiros da nação brasileira.
Uma parcela significativa de araguaianos decidiu pelo caminho da resistência e perfilaram-se ao lado da guerrilha no sentido de desfraldarem a defesa do povo pobre, da luta pela terra e pelos direitos daqueles que viviam abandonados no interior do país. Formularam uma agenda, um programa que expressava as reivindicações mais sentidas da região as quais, por sua natureza, eram semelhantes às de outras muitas zonas pobres do Brasil rural da época. É impressionante, mesmo passados mais de 37 anos de sua elaboração, como tal documento guarda grande atualidade. Tudo isto desencadeou a formação da União pela Liberdade e pelos Direitos do Povo (ULDP) que tinha por objetivo político congregar, em frente única, a população daquelas paragens.
Ao mesmo tempo, como decorrência da ação que estavam empenhados contra as tropas federais buscou realizar a propaganda no sentido de liquidar o regime antipopular e antinacional pugnando pela unidade dos oprimidos do interior com as enormes massas populares das cidades no sentido de derrubar a ditadura fascista.
As Forças Guerrilheiras do Araguaia, organizadas como uma espécie de braço armado do povo realizou um conjunto de ações contra os contingentes governistas, desde simples ações de fustigamento até emboscadas e assaltos a postos militares, como foi o caso da pequena caserna localizada na entrada de Apinagés, quilometro 48 da Transamazônica. Justiçaram, também, pistoleiros e bate-paus, através de tribunais populares.
Os guerrilheiros inauguraram, no Brasil, o sistema de luta na selva recolhendo fecunda experiência militar que até hoje é utilizada pelos centros de formação do Exército brasileiro, particularmente o Cigs de Manaus. Tal sistema de luta permitiu uma resistência armada que conseguiu subsistir organizadamente aos furiosos ataques das tropas legalistas baseando-se em suas próprias forças e com amplo apoio popular.
Segundo o "Relatório Sobre a Luta no Araguaia", de Ângelo Arroyo, havia na região 69 guerrilheiros, com boas reservas de alimentos, roupas, remédios e munição, mas com um armamento precaríssimo quando os embates começaram. O destacamento A tinha 4 fuzis, 4 rifles 44, uma metralhadora fabricada no local, uma metralhadora INA, 6 espingardas 20 e duas carabinas 22. O destacamento B possuía um fuzil, uma submetralhadora Royal, 6 rifles 44, uma metralhadora fabricada no local, uma espingarda 16 de dois canos, uma espingarda 16 de um cano só, 6 espingardas 20, uma espingarda 36 e duas carabinas 22. O destacamento C tinha 4 fuzis, alguns rifles 44, espingardas 20 e carabinas 22. A Comissão Militar portava 2 espingardas 20.
Eram armas obsoletas e defeituosas. Alguns fuzis vieram de Brasília, pegos por militantes do PC do B quando no inicio dos anos 60 houve um levante de Sargentos.
Segundo João Amazonas, principal formulador do pensamento político do PC do B nos últimos quarenta anos, afirmara: "eram umas porcarias, alto como o diabo, encostavam em tudo que é coisa, pesados para caramba".
Todos os guerrilheiros portavam revólveres 38, com mais de 40 balas cada. A adaptação à região ainda era incipiente – muitos dos combatentes acabavam por chegar à região e estavam iniciando o aprendizado dos procedimentos básicos de sobrevivência na mata. Havia, também, pouco dinheiro disponível.
A Guerrilha atuava numa área imensa, com cerca de 130 quilômetros de comprimento por 50 de fundo – um total de cerca de 6.500 quilômetros quadrados, com população estimada em 20 mil habitantes.
Aspecto irá chamar a atenção dos órgãos da repressão política fora o alerta dado pelas polícias militares de Marabá e Xambioá denunciando a presença de subversivos na região.
As polícias daqueles sertões eram informadas constantemente por grileiros e fazendeiros, acostumados a resolver a bala e sem revide os seus problemas com os lavradores, de que havia certa resistência, comandada por uns "paulistas". As informações iam além: os "paulistas" ensinavam o povo dos lugarejos a ler, e que havia até médicos no meio deles, porque distribuíam muitos remédios "que não eram amostra grátis", segundo a memória de um morador da região.
Sabe-se, através de fontes militares, que houve um erro de avaliação por parte das Forças Armadas. O próprio Governo Federal subestimou as investigações na área e a questão ficou basicamente circunscrita ao Serviço Nacional de Informações (SNI) e Órgãos paralelos, como o DOI-CODI.
Quando as Forças Armadas tomam consciência de que os "paulistas" não eram subversivos comuns, em fase de ‘refrescamento’ que, no jargão militar de então eram militantes fichados no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e que saiam de circulação até as coisas se acalmarem; e sim se tratava de uma força militar organizada pelo PC do B com amplo apoio popular, a região do Araguaia vivenciou uma verdadeira ocupação por tropas governamentais.
Sabe-se hoje, com rigor documental, que as três Campanhas de Cerco e Aniquilamento contou com a presença de milhares de homens das três Forças Armadas além das Policias Militares do Pará, Maranhão e Goiás fazendo de Marabá e Xambioá suas cidades-quartéis. Sabe-se, também, que tanto a CIA quanto militares portugueses envolvidos na repressão contra as lutas indenpedentistas na África participaram do processo de colaboração com os militares brasileiros. Aliás, o próprio EUA formou grande parte dos torturadores brasileiros através da Operação Condor da Escola do Panamá, maior centro de formação de violações de direitos humanos que se têm notícia na América Latina.
Enquanto testemunho histórico, o Comunicado nº.1 das Forças Guerrilheiras do Araguaia de 25 de maio de 1972 na qual a Comissão Militar dos Combatentes edita seu primeiro informe, onde buscava esclarecer a massa sobre os motivos e objetivos da luta. A propaganda guerrilheira voltava o foco contra a ditadura e a prática da grilagem de terras, tão comuns até hoje na Amazônia. A seguir transcrevemos na íntegra este importante documento:
"Aos posseiros, trabalhadores do campo e a todas as pessoas progressistas do sul do Pará, oeste do Maranhão e norte do Goiás. Aos moradores dos municípios de Marabá, São João do Araguaia, Conceição do Araguaia, Araguatins, Xambioá, Imperatriz, Tocantinópolis, Porto Franco e Araguaína.
Ao povo brasileiro.
No passado mês de abril, tropas do Exército, em operações conjuntas com a aeronáutica, marinha e polícia militar do Pará, atacaram de surpresa antigos moradores das margens do rio Araguaia e de diversos locais situados entre São Domingos das Latas e São Geraldo, prendendo e espancando diversas pessoas, queimando casas, destruindo depósitos de arroz e outros cereais e danificando plantações. Esse traiçoeiro ato de violência, praticado contra honestos trabalhadores do campo, é mais um dos inúmeros crimes que a ditadura militar vem cometendo em todo o país, contra camponeses, operários, estudantes, democratas e patriotas.
O governo dos generais procura difamar as vitimas de suas arbitrariedades, espalhando que se trata de ação realizada contra marginais, contrabandistas e assaltantes de banco. Mas a população da região não acredita em tais mentiras. Conhece, há muitos anos, os perseguidos, todas pessoas corretas, dedicadas ao trabalho e amigas dos pobres, sempre prestativas e solidárias com o povo, em particular com os que são espoliados pelos grileiros e alvo das injustiças da polícia. Os soldados as agrediram porque elas não querem viver como escravas sob o chicote dos militares que, acabando por completo com as liberdade, oprimem impiedosamente os brasileiros e enxovalham a nação.
Diante do criminoso ataque das Forças Armadas governamentais, muitos habitantes das zonas de São Domingos das Larvas, Brejo Grande, Araguatins, Palestina, Itamirim, Santa Izabel, Santa Cruz e São Geraldo resolveram não se entregar. Armaram-se com o que puderam e enfrentaram corajosamente o arbítrio e a prepotência do Exército e da polícia. Com tal objetivo, internaram-se nas matas do Pará, Goiás e Maranhão para resistir com êxito ao inimigo muito mais numeroso e melhor armado. A fim de desbaratar as operações militares da ditadura, defender suas vidas e desenvolver sua luta pela posse da terra, pela liberdade e por uma existência melhor para toda a população, decidiram formar destacamentos armados, criaram as Forças Guerrilheiras do Araguaia. Tomaram, também, a iniciativa de fundar ampla frente popular para mobilizar e organizar os que almejam o progresso e o bem estar, os que não se conformam com a fome e a miséria, com o abandono e a opressão.
Desse modo, surgiu a União Pela Liberdade e Pelos Direitos do Povo (ULDP), onde podem ingressar os moradores das regiões da região e de outros estados, muitos dos quais vem tendo suas terras roubadas por gananciosos grileiros e são perseguidos, presos e espancados pelos agentes da ditadura. Nela há lugar não só para os pobres como também para todos os patriotas, seja qual for sua condição social, que desejem por abaixo a ditadura e instaurar no Brasil um regime verdadeiramente democrático.
Este movimento lançou um manifesto em defesa do povo pobre e pelo progresso do interior, refletindo as mais profundas aspirações populares por uma vida digna e feliz. No documento estão incluídas as reivindicações mais sentidas da população local, que constituem o programa da ULDP, a bandeira de luta da pobreza e de todos os elementos progressistas favoráveis ao desenvolvimento efetivo das regiões atrasadas.
Por sua vez, as Forças Guerrilheiras do Araguaia mostram-se firmemente dispostas a combater os soldados da ditadura. Na zona próxima a Santa Cruz, alguns combatentes dessas forças defrontaram-se com inimigos superiores em número, matando um, ferindo outro e dispersando os demais. As tropas do Exército, depois de cometer inúmeras arbitrariedades contra moradores da região, sem revelar até agora disposição de luta nas matas, retiram-se temporariamente, das zonas onde atuam os destacamentos do povo e concentraram-se em cidades, em povoados e corrutelas. Nada valeram os grandes é aparatosos efetivos militares, os helicópteros e aviões, o armamento moderno das Forças Armadas do governo. Em vasta área os lutadores do povo, de armas nas mãos, usando a tática da guerrilha, realizaram a propaganda das idéias e do programa da ULDP entre os moradores, que os apóiam com entusiasmo e repelem as calúnias difundidas pela ditadura contra os revolucionários.
A luta armada que se desenvolve no sul do Pará e em outros lugares vem contando com a simpatia de amplo setores da população não só do campo como também de importantes cidades situadas em redor da região rebelada. Isso porque a luta ora iniciada é de todos os oprimidos, de todos os que não aceitaram o cativeiro e anseiam derrubar o regime político tirânico imposto pelos militares. Não por acaso, os generais escondem os motivos de suas criminosas investidas. Temem que o exemplo dos habitantes do Araguaia seja seguido por todo o povo.
A União Pela Liberdade e Pelos Direitos do Povo e as Forças Guerrilheiras do Araguaia apelam para os moradores da região a fim de que engrossem a resistência à odiosa ditadura militar, aos grandes magnatas, aos grileiros e aos gringos norte-americanos que, no norte e nordeste do país, já se apoderaram de imensas extensões de terra e das ricas minas de ferro de Serra Norte perto de Marabá. A todos conclamam a se estruturar nos comitês da ULDP ou em outras formas de organização. Não há outro caminho para o povo senão o de combater valentemente os opressores. Cada lavrador, cada posseiro, cada trabalhador de fazenda ou castanhal, cada injustiçado, cada patriota, deve ajudar, de todos os modos, os que enfrentam sem temor as tropas do governo de traição nacional.
O povo unido e armado derrotará seus inimigos.
Abaixo a grilagem!
Viva a liberdade!
Morra a ditadura militar!
Por um Brasil livre e independente!
Em algum lugar da Amazônia, 25 de maio de 1972.
O Comando das Forças Guerrilheiras do Araguaia"
O desfecho da Guerrilha do Araguaia, em meados de 1975, deixou marcas profundas naquela região.
Diferentemente de guerrilha urbana, que cirurgicamente era combatida pela repressão sem que o povo tomasse conhecimento, no sul do Pará o processo se assemelhou a um banho de sangue.
A ditadura utilizou-se de duas táticas fundamentais, o expediente das Operações Aciso, de natureza assistencialista e a intensa violência perpetrada contra os guerrilheiros e a população local. Por exemplo, no então vilarejo de São Domingos das Latas todos os homens acima de 14 anos foram presos e muitos torturados até a náusea. Muitos camponeses foram obrigados, depois de presos e espancados, a servir de guias para as tropas oficiais.
Sabe-se, também, que dezenas de guerrilheiros e camponeses foram presos com vida e a repressão política passou de todos os limites, inclusive da Convenção de Genebra na qual o Brasil é signatário. Ali repetiu-se a mesma prática do velho entulho colonial português, o corta-cabeças, o que muito nos faz lembrar a figura heróica de Tiradentes. Assim, foi, por exemplo, com Osvaldão, a mais celebre figura da guerrilha e até hoje perpetuado nos cordéis araguaianos.
A ação das tropas oficiais que empreendeu a derrota da guerrilha foi dirigida diretamente pelo gabinete da Presidência da República, a partir da tríade dos generais Antônio Bandeira, Viana Moog e Hugo de Abreu. Ao perceberem que não poderiam derrotar a insurreição pelo modelo tradicional de combate tiveram que mudar a tática e empregaram fortemente o trabalho de informação através do Serviço Nacional de Informações (SNI) que consumiu quase todo o ano de 1973.
O fato é que, até hoje, muitos brasileiros estão desaparecidos e é nítida a existência no Araguaia de cemitérios clandestinos, como recentemente revelou o famigerado Major Curió. Segundo o principal quadro militar no combate a guerrilha do Araguaia, 41 pessoas foram presas e assassinadas a sangue frio pelas Forças Armadas no interior das matas paraenses.
Por Paulo Fonteles Filho
Os contingentes da opressão atacaram moradores dos sertões do Araguaia, buscando prender e liquidar fisicamente os elementos mais pujantes da massa seja pela clareza política ou decisão férrea de participar da luta e, ao mesmo tempo atemorizar e subjugar todo o povo daqueles rincões. Usando aviões e helicópteros, lanchas da Marinha de Guerra e milhares de soldados, ocuparam a região que vai de Conceição do Araguaia, passando por Xambioá até Marabá. Através de estradas e picadas, penetraram na selva em busca de "subversivos" e exigiam a imediata capitulação dos camponeses. Ao invés de submeterem-se, muitos, os mais resolutos, resolveram revidar as agressões da ditadura.
O Exercito empreendeu três grandes e aparatosas campanhas de Cerco e Aniquilamento contra os guerrilheiros do PC do B. Toda essa movimentação militar durou dois anos e nove meses, de abril de 1972 a janeiro de 1975. Em conjunto com a Aeronáutica, a Marinha e Policias Militares, contando com modernos armamentos e vastos recursos materiais, além de utilizarem-se do apoio de grandes empresas como a Camargo Corrêa e a Mendes Junior. Na primeira campanha, entre abril /junho de 1972 pôs-se em ação 5 mil homens; na segunda, entre setembro/novembro de 1972, empregou 15 mil homens; na terceira, entre outubro de 1973 até maio de 1974 mobilizou-se entre 5 a 6 mil soldados.
No conjunto das ações repressivas todas as cidades, vilas e currutelas da região foram invadidas por tropas ensandecidas, além de fazendas e sedes de castanhais. Muitas centenas de trabalhadores rurais foram presos, espancados e torturados, seus barracos foram queimados e roças destruídas, com seus paiós de milho e arroz. Populares foram assassinados e muitos dos aprisionados ou feridos em combate tiveram suas vidas ceifadas friamente. Padres e freiras foram submetidos a vexames e humilhações, além de comerciantes e pessoas influentes.
O governo federal de então criou, ainda, cinco batalhões de Infantaria de Selva e construiu rapidamente enormes instalações militares na Amazônia, além das muitas estradas para articular a movimentação de tropas. A região foi praticamente isolada do resto do país e, para se ter idéia foram confeccionadas carteiras especiais de identificação para que as gentes pudessem circular em toda área deflagrada.
O Exército recorreu ao expediente da chamada Operação Aciso, fornecendo remédios e extraindo dentes, procurando iludir os camponeses pobres do Araguaia. O Incra, por seu turno, fez promessas de legalização de posses. No curso das manobras militares foram gastos vultosos recursos financeiros da nação brasileira.
Uma parcela significativa de araguaianos decidiu pelo caminho da resistência e perfilaram-se ao lado da guerrilha no sentido de desfraldarem a defesa do povo pobre, da luta pela terra e pelos direitos daqueles que viviam abandonados no interior do país. Formularam uma agenda, um programa que expressava as reivindicações mais sentidas da região as quais, por sua natureza, eram semelhantes às de outras muitas zonas pobres do Brasil rural da época. É impressionante, mesmo passados mais de 37 anos de sua elaboração, como tal documento guarda grande atualidade. Tudo isto desencadeou a formação da União pela Liberdade e pelos Direitos do Povo (ULDP) que tinha por objetivo político congregar, em frente única, a população daquelas paragens.
Ao mesmo tempo, como decorrência da ação que estavam empenhados contra as tropas federais buscou realizar a propaganda no sentido de liquidar o regime antipopular e antinacional pugnando pela unidade dos oprimidos do interior com as enormes massas populares das cidades no sentido de derrubar a ditadura fascista.
As Forças Guerrilheiras do Araguaia, organizadas como uma espécie de braço armado do povo realizou um conjunto de ações contra os contingentes governistas, desde simples ações de fustigamento até emboscadas e assaltos a postos militares, como foi o caso da pequena caserna localizada na entrada de Apinagés, quilometro 48 da Transamazônica. Justiçaram, também, pistoleiros e bate-paus, através de tribunais populares.
Os guerrilheiros inauguraram, no Brasil, o sistema de luta na selva recolhendo fecunda experiência militar que até hoje é utilizada pelos centros de formação do Exército brasileiro, particularmente o Cigs de Manaus. Tal sistema de luta permitiu uma resistência armada que conseguiu subsistir organizadamente aos furiosos ataques das tropas legalistas baseando-se em suas próprias forças e com amplo apoio popular.
Segundo o "Relatório Sobre a Luta no Araguaia", de Ângelo Arroyo, havia na região 69 guerrilheiros, com boas reservas de alimentos, roupas, remédios e munição, mas com um armamento precaríssimo quando os embates começaram. O destacamento A tinha 4 fuzis, 4 rifles 44, uma metralhadora fabricada no local, uma metralhadora INA, 6 espingardas 20 e duas carabinas 22. O destacamento B possuía um fuzil, uma submetralhadora Royal, 6 rifles 44, uma metralhadora fabricada no local, uma espingarda 16 de dois canos, uma espingarda 16 de um cano só, 6 espingardas 20, uma espingarda 36 e duas carabinas 22. O destacamento C tinha 4 fuzis, alguns rifles 44, espingardas 20 e carabinas 22. A Comissão Militar portava 2 espingardas 20.
Eram armas obsoletas e defeituosas. Alguns fuzis vieram de Brasília, pegos por militantes do PC do B quando no inicio dos anos 60 houve um levante de Sargentos.
Segundo João Amazonas, principal formulador do pensamento político do PC do B nos últimos quarenta anos, afirmara: "eram umas porcarias, alto como o diabo, encostavam em tudo que é coisa, pesados para caramba".
Todos os guerrilheiros portavam revólveres 38, com mais de 40 balas cada. A adaptação à região ainda era incipiente – muitos dos combatentes acabavam por chegar à região e estavam iniciando o aprendizado dos procedimentos básicos de sobrevivência na mata. Havia, também, pouco dinheiro disponível.
A Guerrilha atuava numa área imensa, com cerca de 130 quilômetros de comprimento por 50 de fundo – um total de cerca de 6.500 quilômetros quadrados, com população estimada em 20 mil habitantes.
Aspecto irá chamar a atenção dos órgãos da repressão política fora o alerta dado pelas polícias militares de Marabá e Xambioá denunciando a presença de subversivos na região.
As polícias daqueles sertões eram informadas constantemente por grileiros e fazendeiros, acostumados a resolver a bala e sem revide os seus problemas com os lavradores, de que havia certa resistência, comandada por uns "paulistas". As informações iam além: os "paulistas" ensinavam o povo dos lugarejos a ler, e que havia até médicos no meio deles, porque distribuíam muitos remédios "que não eram amostra grátis", segundo a memória de um morador da região.
Sabe-se, através de fontes militares, que houve um erro de avaliação por parte das Forças Armadas. O próprio Governo Federal subestimou as investigações na área e a questão ficou basicamente circunscrita ao Serviço Nacional de Informações (SNI) e Órgãos paralelos, como o DOI-CODI.
Quando as Forças Armadas tomam consciência de que os "paulistas" não eram subversivos comuns, em fase de ‘refrescamento’ que, no jargão militar de então eram militantes fichados no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e que saiam de circulação até as coisas se acalmarem; e sim se tratava de uma força militar organizada pelo PC do B com amplo apoio popular, a região do Araguaia vivenciou uma verdadeira ocupação por tropas governamentais.
Sabe-se hoje, com rigor documental, que as três Campanhas de Cerco e Aniquilamento contou com a presença de milhares de homens das três Forças Armadas além das Policias Militares do Pará, Maranhão e Goiás fazendo de Marabá e Xambioá suas cidades-quartéis. Sabe-se, também, que tanto a CIA quanto militares portugueses envolvidos na repressão contra as lutas indenpedentistas na África participaram do processo de colaboração com os militares brasileiros. Aliás, o próprio EUA formou grande parte dos torturadores brasileiros através da Operação Condor da Escola do Panamá, maior centro de formação de violações de direitos humanos que se têm notícia na América Latina.
Enquanto testemunho histórico, o Comunicado nº.1 das Forças Guerrilheiras do Araguaia de 25 de maio de 1972 na qual a Comissão Militar dos Combatentes edita seu primeiro informe, onde buscava esclarecer a massa sobre os motivos e objetivos da luta. A propaganda guerrilheira voltava o foco contra a ditadura e a prática da grilagem de terras, tão comuns até hoje na Amazônia. A seguir transcrevemos na íntegra este importante documento:
"Aos posseiros, trabalhadores do campo e a todas as pessoas progressistas do sul do Pará, oeste do Maranhão e norte do Goiás. Aos moradores dos municípios de Marabá, São João do Araguaia, Conceição do Araguaia, Araguatins, Xambioá, Imperatriz, Tocantinópolis, Porto Franco e Araguaína.
Ao povo brasileiro.
No passado mês de abril, tropas do Exército, em operações conjuntas com a aeronáutica, marinha e polícia militar do Pará, atacaram de surpresa antigos moradores das margens do rio Araguaia e de diversos locais situados entre São Domingos das Latas e São Geraldo, prendendo e espancando diversas pessoas, queimando casas, destruindo depósitos de arroz e outros cereais e danificando plantações. Esse traiçoeiro ato de violência, praticado contra honestos trabalhadores do campo, é mais um dos inúmeros crimes que a ditadura militar vem cometendo em todo o país, contra camponeses, operários, estudantes, democratas e patriotas.
O governo dos generais procura difamar as vitimas de suas arbitrariedades, espalhando que se trata de ação realizada contra marginais, contrabandistas e assaltantes de banco. Mas a população da região não acredita em tais mentiras. Conhece, há muitos anos, os perseguidos, todas pessoas corretas, dedicadas ao trabalho e amigas dos pobres, sempre prestativas e solidárias com o povo, em particular com os que são espoliados pelos grileiros e alvo das injustiças da polícia. Os soldados as agrediram porque elas não querem viver como escravas sob o chicote dos militares que, acabando por completo com as liberdade, oprimem impiedosamente os brasileiros e enxovalham a nação.
Diante do criminoso ataque das Forças Armadas governamentais, muitos habitantes das zonas de São Domingos das Larvas, Brejo Grande, Araguatins, Palestina, Itamirim, Santa Izabel, Santa Cruz e São Geraldo resolveram não se entregar. Armaram-se com o que puderam e enfrentaram corajosamente o arbítrio e a prepotência do Exército e da polícia. Com tal objetivo, internaram-se nas matas do Pará, Goiás e Maranhão para resistir com êxito ao inimigo muito mais numeroso e melhor armado. A fim de desbaratar as operações militares da ditadura, defender suas vidas e desenvolver sua luta pela posse da terra, pela liberdade e por uma existência melhor para toda a população, decidiram formar destacamentos armados, criaram as Forças Guerrilheiras do Araguaia. Tomaram, também, a iniciativa de fundar ampla frente popular para mobilizar e organizar os que almejam o progresso e o bem estar, os que não se conformam com a fome e a miséria, com o abandono e a opressão.
Desse modo, surgiu a União Pela Liberdade e Pelos Direitos do Povo (ULDP), onde podem ingressar os moradores das regiões da região e de outros estados, muitos dos quais vem tendo suas terras roubadas por gananciosos grileiros e são perseguidos, presos e espancados pelos agentes da ditadura. Nela há lugar não só para os pobres como também para todos os patriotas, seja qual for sua condição social, que desejem por abaixo a ditadura e instaurar no Brasil um regime verdadeiramente democrático.
Este movimento lançou um manifesto em defesa do povo pobre e pelo progresso do interior, refletindo as mais profundas aspirações populares por uma vida digna e feliz. No documento estão incluídas as reivindicações mais sentidas da população local, que constituem o programa da ULDP, a bandeira de luta da pobreza e de todos os elementos progressistas favoráveis ao desenvolvimento efetivo das regiões atrasadas.
Por sua vez, as Forças Guerrilheiras do Araguaia mostram-se firmemente dispostas a combater os soldados da ditadura. Na zona próxima a Santa Cruz, alguns combatentes dessas forças defrontaram-se com inimigos superiores em número, matando um, ferindo outro e dispersando os demais. As tropas do Exército, depois de cometer inúmeras arbitrariedades contra moradores da região, sem revelar até agora disposição de luta nas matas, retiram-se temporariamente, das zonas onde atuam os destacamentos do povo e concentraram-se em cidades, em povoados e corrutelas. Nada valeram os grandes é aparatosos efetivos militares, os helicópteros e aviões, o armamento moderno das Forças Armadas do governo. Em vasta área os lutadores do povo, de armas nas mãos, usando a tática da guerrilha, realizaram a propaganda das idéias e do programa da ULDP entre os moradores, que os apóiam com entusiasmo e repelem as calúnias difundidas pela ditadura contra os revolucionários.
A luta armada que se desenvolve no sul do Pará e em outros lugares vem contando com a simpatia de amplo setores da população não só do campo como também de importantes cidades situadas em redor da região rebelada. Isso porque a luta ora iniciada é de todos os oprimidos, de todos os que não aceitaram o cativeiro e anseiam derrubar o regime político tirânico imposto pelos militares. Não por acaso, os generais escondem os motivos de suas criminosas investidas. Temem que o exemplo dos habitantes do Araguaia seja seguido por todo o povo.
A União Pela Liberdade e Pelos Direitos do Povo e as Forças Guerrilheiras do Araguaia apelam para os moradores da região a fim de que engrossem a resistência à odiosa ditadura militar, aos grandes magnatas, aos grileiros e aos gringos norte-americanos que, no norte e nordeste do país, já se apoderaram de imensas extensões de terra e das ricas minas de ferro de Serra Norte perto de Marabá. A todos conclamam a se estruturar nos comitês da ULDP ou em outras formas de organização. Não há outro caminho para o povo senão o de combater valentemente os opressores. Cada lavrador, cada posseiro, cada trabalhador de fazenda ou castanhal, cada injustiçado, cada patriota, deve ajudar, de todos os modos, os que enfrentam sem temor as tropas do governo de traição nacional.
O povo unido e armado derrotará seus inimigos.
Abaixo a grilagem!
Viva a liberdade!
Morra a ditadura militar!
Por um Brasil livre e independente!
Em algum lugar da Amazônia, 25 de maio de 1972.
O Comando das Forças Guerrilheiras do Araguaia"
O desfecho da Guerrilha do Araguaia, em meados de 1975, deixou marcas profundas naquela região.
Diferentemente de guerrilha urbana, que cirurgicamente era combatida pela repressão sem que o povo tomasse conhecimento, no sul do Pará o processo se assemelhou a um banho de sangue.
A ditadura utilizou-se de duas táticas fundamentais, o expediente das Operações Aciso, de natureza assistencialista e a intensa violência perpetrada contra os guerrilheiros e a população local. Por exemplo, no então vilarejo de São Domingos das Latas todos os homens acima de 14 anos foram presos e muitos torturados até a náusea. Muitos camponeses foram obrigados, depois de presos e espancados, a servir de guias para as tropas oficiais.
Sabe-se, também, que dezenas de guerrilheiros e camponeses foram presos com vida e a repressão política passou de todos os limites, inclusive da Convenção de Genebra na qual o Brasil é signatário. Ali repetiu-se a mesma prática do velho entulho colonial português, o corta-cabeças, o que muito nos faz lembrar a figura heróica de Tiradentes. Assim, foi, por exemplo, com Osvaldão, a mais celebre figura da guerrilha e até hoje perpetuado nos cordéis araguaianos.
A ação das tropas oficiais que empreendeu a derrota da guerrilha foi dirigida diretamente pelo gabinete da Presidência da República, a partir da tríade dos generais Antônio Bandeira, Viana Moog e Hugo de Abreu. Ao perceberem que não poderiam derrotar a insurreição pelo modelo tradicional de combate tiveram que mudar a tática e empregaram fortemente o trabalho de informação através do Serviço Nacional de Informações (SNI) que consumiu quase todo o ano de 1973.
O fato é que, até hoje, muitos brasileiros estão desaparecidos e é nítida a existência no Araguaia de cemitérios clandestinos, como recentemente revelou o famigerado Major Curió. Segundo o principal quadro militar no combate a guerrilha do Araguaia, 41 pessoas foram presas e assassinadas a sangue frio pelas Forças Armadas no interior das matas paraenses.
Por Paulo Fonteles Filho
Dossiê Araguaia - Parte III
A luta travada no Araguaia é portadora de grande significado
político. O povo brasileiro, oprimido por brutal repressão e açodamento dos canais de respiração democrática, teve nessa luta uma das manifestações mais conseqüentes e ousadas de seus mais elevados anseios. Serviu como um elo das mais justas lutas pela libertação do país contra a opressão e a submissão ao estrangeiro.
O fato de relevo foi o aspecto que um pequeno grupo de combatentes, mal armados, ainda com incipiente experiência militar, possuindo parcos recursos pôde, apesar das enormes dificuldades, enfrentar toda fúria das tropas federais.
Isso só é possível entender pela grande integração com as massas através da consideração de que o problema da luta é, sobretudo, de compreensão cientifica dos problemas populares. Esse entendimento é capital nas pequenas e grandes batalhas políticas.
É por isso que parcelas significativas da população apoiaram a resistência até o fim, em níveis diferenciados de integração que iam desde aqueles que pegaram em armas até os que davam comida e informações. As tropas oficiais, por conta disso, encontraram grandes dificuldades para conter o movimento insurgente.
Merece destaque o fato de que tal resistência tenha ocorrido na Amazônia. Desde sua colonização, no início da década de 1970, a região é objeto de desenfreada espoliação e de intensa devastação de seus recursos naturais. Historicamente, pelo modelo adotado, suas terras são griladas ou cedidas a poderosos consórcios e suas riquezas passam para as mãos de trustes estrangeiros. Como exemplo clássico podemos encontrar o exemplo, no passado, do exemplo do multimilionário norte-americano Daniel Ludwig que apossou-se de 1,5 milhão de hectares e de imensas reservas florestais e minerais. Na atualidade a mais flagrante exibição de grilagem de terras na Amazônia sugere a vil figura do banqueiro Daniel Dantas.
A luta no Araguaia foi uma advertência e um brado de protesto contra a tentativa malsã de internacionalização da Amazônia através da penetração estrangeira, da devastação irracional das florestas, da grave e perturbadora expansão do latifúndio além do saque das riquezas nacionais.
O pano de fundo da contenda nas matas sulparaenses foi exatamente o engendramento das disputas de projetos para a imensa região. Nesse sentido, o programa de 27 pontos da União pelas Liberdades e pelos Direitos do Povo (ULDP), elaborado nas matas, sob a consigna "Em defesa do povo pobre e pelo progresso do interior", expressou a elevação do nível da compreensão popular.
A insubmissão no Araguaia armou de consciência homens e mulheres, até a presente quadra histórica, com o entendimento de não é possível um projeto nacional autônomo sem a soberania sobre a Amazônia e de que suas extraordinárias potencialidades devem servir fundamentalmente ao progresso social dos amazônidas e de todo o povo brasileiro.
Questão de relevo do ponto de vista do enfrentamento com o regime militar foi à desmoralização da ditadura e sua propalada cantilena de apresentar toda insubordinação libertadora como esmagada. Todos nós sabemos que a partir do AI-5, em 1968, os generais intensificaram o terrorismo no país. Milhares de pessoas foram torturadas e centenas de brasileiros, patriotas, foram assassinados. Os militares tinham a convicção de que tal violência poderia assegurar a estabilidade política do regime, insistentemente reclamada pelos capitalistas estrangeiros e seus aliados internos. Todavia, a luta popular em nível alto no Araguaia surpreendeu e atiçou a ira dos donos do poder de então. Buscaram abafá-la através da censura para que o exemplo não incendiasse o país e somente em 1975, distorcendo os fatos, fizeram a primeira referência oficial dos acontecimentos: publicamente Geisel reconheceu, em sua posse presidencial, a existência do movimento guerrilheiro. A resistência armada revelou que o movimento democrático não tinha sido derrotado apesar do terror imposto pelos generais.
Temporariamente contido, o sentimento mudancista do povo brasileiro ganhará impulso na luta pela Anistia que antecipou as multitudinárias manifestações das Diretas Já, em 1984, que preparou com o tempero das grandes massas o fim da longa noite do regime militar através do Colégio Eleitoral no ano seguinte.
A luta no Araguaia foi a única experiência de guerrilha rural de envergadura realizada no Brasil durante o regime militar. Questão singular é que a guerrilha fora organizada por um partido de feição proletária, inspirado pelo Marxismo-Leninismo e com bastente experiência política. Nas matas do Araguaia o Partido Comunista do Brasil completava meio século de existência e os dirigentes João Amazonas e Maurício Grabois elaboraram o documento "Cinquenta anos de luta" onde buscavam analisar e tirar lições da história do partido e da luta de classes no Brasil.
Alí, naquelas condições, o movimento armado teve importantes êxitos e cometeu erros também.
Do ponto de vista dos êxitos podemos destacar que o movimento insurgente, ou seja as Forças Guerrilheiras do Araguaia (FORGA), conseguiram amplo apoio popular suficiente para resistirem por quase três anos. Foi demasiado o esforço para a integração entre os comunistas com a população local. Isto se expressava tanto do ponto de vista da assistência a saúde e a educação dos lavradores como também na atividade laboral, na introdução de conhecimentos técnicos que os ajudavam na produção.
No curso da intensa repressão perpetrada pelas tropas oficiais a massa camponesa fora decisiva para a manuntenção da guerrilha, seja no apoio de alimentação e informações principalmente. Isso sem falar das dezenas de camponeses que pegaram em armas.
O movimento guerrilheiro situou, de certa forma, a resistência popular no campo num terreno favorável. Como a guerra de guerrilhas têm na base de sua estratégia o fato de que, "na mata, o soldado tem de estar a pé como o guerrilheiro", como ensinou Angêlo Arroyo, dirigente militar da insurgência.
Aspecto mais importante da resistência armada foi o fato de ter despertado, no campesinato, a idéia da luta organizada como meio de se defender e conquistar seus direitos.
O fato é que em 1976, um ano após o fim da guerrilha começa a frutificar a oposição sindical em toda a região do baixo-araguaia. Toda esta imensa área estava circunscrita ao Município de Conceição do Araguaia na qual o Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR) era dirigido por um apaniguado do Ministério do Trabalho, o tristemente famoso, à época, pelego Bertoldo.
O movimento oposicionista dos lavradores, na retomada do STR para seus legítimos proprietários teve como referência central o Programa de 27 pontos da União pelas Liberdades e Direitos do Povo (ULDP).
Amplo e democrático, tal programa continha um conjunto de reivindicações econômicas e políticas mais sentidas pela massa. Exigia terra para trabalhar e título de propriedade; combate à grilagem, com castigo severo a todos que grilassem terras; preços minímos compensatórios para os produtos da região. Levantava questões políticas como "liberdade para reunir-se, discutir seus problemas, criticar as autoridades, exigir seus direitos, organizar suas associações e eleger, sem pressão de nenhum tipo, seus representantes".
O fato é que esse movimento de massas vai se desenvolver a tal ponto que, em 1980, a oposição só não venceu as eleições sindicais por conta do empastelamento perpetrado pelo governo federal como também pelo assassinato de Raimundo Lima, o "Gringo", morto semanas antes do pleito eleitoral. Nessa batalha os principais articuladores governistas era gente de triste estirpe, como o major Curió e o coronel Passarinho.
Num conjunto de artigos para o semanário "Tribuna da Luta Operária" em 1981, Paulo Fonteles sustentava a afirmação acerca da estreita ligação entre a luta das Forças Guerrilheiras do Araguaia e o efervescente movimento camponês no Bico-do-Papagaio. Indicava o advogado:
"...Hoje, em todo Sul do Pará, desenvolve-se um dos movimentos de massas mais ricos do Brasil. Milhares de camponeses erguem seus punhos e, não raro, as armas, para lutar pelo seu direito à terra, levantando-se contra o latifúndio, os grandes grupos econômicos. Particularmente neste último ano, os camponeses da área obtiveram importantes vitórias. No baixo-araguaia, onde se implantou o Destacamento C da guerrilha, dos Caianos, mais de 250 mil hectares de terra já foram apropriados pelo povo, numa verdadeira guerrilha das massas. Só nos últimos 12 meses mais de 30 pessoas, na grande maioria pistoleiros, morreram no conflito. A guerrilha do Araguaia foi, incontestavelmente, a sementeira desta extraordinária luta camponesa...".
É possível se afirmar que a contemporânea luta camponesa na Amazônia têm no exemplo da guerrilha importante ensinamento do ponto de vista de luta organizada e decidida pelo direito à terra e ao trabalho.
Do ponto de vista dos equivocos cometidos pelas Forças Guerrilheiras do Araguaia podemos enumerar que a tática da guerrilha permaneceu estática durante o período da luta.
A Comissão Militar subestimou as tropas oficiais na terceira e última Campanha de Cerco e Aniquilamento, erro considerado decisivo para a derrota militar da guerrilha. Derrotado duas vezes consecutivas, as Forças Armadas retomaram sua operação promovendo mudanças radicais e utilizando-se largamente de tropas especializadas tanto na informação como na repressão propriamente dita.
Aconteceu que o Exército entrou em profundidade na mata, em época de chuvas e promovendo um cerco total da área e fez campanha longa e demorada. O grande desafio identificado pelo Planalto que dirigiu a terceira campanha era evitar a consolidação da guerrilha que, por sua vez, não ampliou sua área de atuação.
Havia no seio das Forças Guerrilheiras o debate para ampliar a atuação para Goiás, Maranhão e Mato Grosso. Dois aspectos devem ter corroborado para que tal ampliação não acontecesse. O primeiro era a insolvência da base material da guerrilha, absolutamente desprovida de recursos ou seja, a guerrilha do Araguaia fora um movimento paupérrimo do ponto de vista dos recursos financeiros. O segundo aspecto fora o fato de que mesmo com amplo apoio popular, tal apoio não permitiu adesão suficiente dos camponeses ao movimento e isso se explica pela extrema brutalidade com que atuaram as tropas oficiais, baseadas na coação, tortura e assassinatos em massa, como agora revela o famigerado Major Curió.
Mesmo com essas limitaçoes que condicionaram a atuação da guerrilha, a Comissão Militar fez um julgamento de natureza idealista e, na terceira investida do Exército praticou uma tática que contrariava o espírito da luta guerrilheira: a concentração de forças.
Com o objetivo de "ter força à mão" para realizar "ações de certa envergadura" a CM decidiu juntar os Destacamentos B e C, fazendo que 32 guerrilheiros passassem a marchar juntos. Essa tática ensejou problemas sérios de abastecimento e deixou rastros marcantes para os mateiros recrutados pelo Exército, além de se transformar num corpo pesado, com pouquissíma mobilidade, diferente da ação de pequenos agrupamentos, agéis na prática do deslocamento e ações de fustigamento. Soma-se a isso a centralização excessiva da Comissão Militar que, na prática, retirava dos combatentes o imprescindível efeito militar de surpreender um inimigo melhor apetrechado do ponto de vista bélico.
Com a vigência de um governo fascista, a brutal repressão promoveu o isolamento político da guerrilha sob o império da mais ferrenha censura e, as Forças Guerrilheiras do Araguaia tiveram que arcar sozinhas, sem nenhum apoio de fora, com aquela importante frente de luta armada contra a ditadura militar. O resultado não poderia ser outro, senão a derrota militar do movimento rebelde.
Por Paulo Fonteles Filho
político. O povo brasileiro, oprimido por brutal repressão e açodamento dos canais de respiração democrática, teve nessa luta uma das manifestações mais conseqüentes e ousadas de seus mais elevados anseios. Serviu como um elo das mais justas lutas pela libertação do país contra a opressão e a submissão ao estrangeiro.
O fato de relevo foi o aspecto que um pequeno grupo de combatentes, mal armados, ainda com incipiente experiência militar, possuindo parcos recursos pôde, apesar das enormes dificuldades, enfrentar toda fúria das tropas federais.
Isso só é possível entender pela grande integração com as massas através da consideração de que o problema da luta é, sobretudo, de compreensão cientifica dos problemas populares. Esse entendimento é capital nas pequenas e grandes batalhas políticas.
É por isso que parcelas significativas da população apoiaram a resistência até o fim, em níveis diferenciados de integração que iam desde aqueles que pegaram em armas até os que davam comida e informações. As tropas oficiais, por conta disso, encontraram grandes dificuldades para conter o movimento insurgente.
Merece destaque o fato de que tal resistência tenha ocorrido na Amazônia. Desde sua colonização, no início da década de 1970, a região é objeto de desenfreada espoliação e de intensa devastação de seus recursos naturais. Historicamente, pelo modelo adotado, suas terras são griladas ou cedidas a poderosos consórcios e suas riquezas passam para as mãos de trustes estrangeiros. Como exemplo clássico podemos encontrar o exemplo, no passado, do exemplo do multimilionário norte-americano Daniel Ludwig que apossou-se de 1,5 milhão de hectares e de imensas reservas florestais e minerais. Na atualidade a mais flagrante exibição de grilagem de terras na Amazônia sugere a vil figura do banqueiro Daniel Dantas.
A luta no Araguaia foi uma advertência e um brado de protesto contra a tentativa malsã de internacionalização da Amazônia através da penetração estrangeira, da devastação irracional das florestas, da grave e perturbadora expansão do latifúndio além do saque das riquezas nacionais.
O pano de fundo da contenda nas matas sulparaenses foi exatamente o engendramento das disputas de projetos para a imensa região. Nesse sentido, o programa de 27 pontos da União pelas Liberdades e pelos Direitos do Povo (ULDP), elaborado nas matas, sob a consigna "Em defesa do povo pobre e pelo progresso do interior", expressou a elevação do nível da compreensão popular.
A insubmissão no Araguaia armou de consciência homens e mulheres, até a presente quadra histórica, com o entendimento de não é possível um projeto nacional autônomo sem a soberania sobre a Amazônia e de que suas extraordinárias potencialidades devem servir fundamentalmente ao progresso social dos amazônidas e de todo o povo brasileiro.
Questão de relevo do ponto de vista do enfrentamento com o regime militar foi à desmoralização da ditadura e sua propalada cantilena de apresentar toda insubordinação libertadora como esmagada. Todos nós sabemos que a partir do AI-5, em 1968, os generais intensificaram o terrorismo no país. Milhares de pessoas foram torturadas e centenas de brasileiros, patriotas, foram assassinados. Os militares tinham a convicção de que tal violência poderia assegurar a estabilidade política do regime, insistentemente reclamada pelos capitalistas estrangeiros e seus aliados internos. Todavia, a luta popular em nível alto no Araguaia surpreendeu e atiçou a ira dos donos do poder de então. Buscaram abafá-la através da censura para que o exemplo não incendiasse o país e somente em 1975, distorcendo os fatos, fizeram a primeira referência oficial dos acontecimentos: publicamente Geisel reconheceu, em sua posse presidencial, a existência do movimento guerrilheiro. A resistência armada revelou que o movimento democrático não tinha sido derrotado apesar do terror imposto pelos generais.
Temporariamente contido, o sentimento mudancista do povo brasileiro ganhará impulso na luta pela Anistia que antecipou as multitudinárias manifestações das Diretas Já, em 1984, que preparou com o tempero das grandes massas o fim da longa noite do regime militar através do Colégio Eleitoral no ano seguinte.
A luta no Araguaia foi a única experiência de guerrilha rural de envergadura realizada no Brasil durante o regime militar. Questão singular é que a guerrilha fora organizada por um partido de feição proletária, inspirado pelo Marxismo-Leninismo e com bastente experiência política. Nas matas do Araguaia o Partido Comunista do Brasil completava meio século de existência e os dirigentes João Amazonas e Maurício Grabois elaboraram o documento "Cinquenta anos de luta" onde buscavam analisar e tirar lições da história do partido e da luta de classes no Brasil.
Alí, naquelas condições, o movimento armado teve importantes êxitos e cometeu erros também.
Do ponto de vista dos êxitos podemos destacar que o movimento insurgente, ou seja as Forças Guerrilheiras do Araguaia (FORGA), conseguiram amplo apoio popular suficiente para resistirem por quase três anos. Foi demasiado o esforço para a integração entre os comunistas com a população local. Isto se expressava tanto do ponto de vista da assistência a saúde e a educação dos lavradores como também na atividade laboral, na introdução de conhecimentos técnicos que os ajudavam na produção.
No curso da intensa repressão perpetrada pelas tropas oficiais a massa camponesa fora decisiva para a manuntenção da guerrilha, seja no apoio de alimentação e informações principalmente. Isso sem falar das dezenas de camponeses que pegaram em armas.
O movimento guerrilheiro situou, de certa forma, a resistência popular no campo num terreno favorável. Como a guerra de guerrilhas têm na base de sua estratégia o fato de que, "na mata, o soldado tem de estar a pé como o guerrilheiro", como ensinou Angêlo Arroyo, dirigente militar da insurgência.
Aspecto mais importante da resistência armada foi o fato de ter despertado, no campesinato, a idéia da luta organizada como meio de se defender e conquistar seus direitos.
O fato é que em 1976, um ano após o fim da guerrilha começa a frutificar a oposição sindical em toda a região do baixo-araguaia. Toda esta imensa área estava circunscrita ao Município de Conceição do Araguaia na qual o Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR) era dirigido por um apaniguado do Ministério do Trabalho, o tristemente famoso, à época, pelego Bertoldo.
O movimento oposicionista dos lavradores, na retomada do STR para seus legítimos proprietários teve como referência central o Programa de 27 pontos da União pelas Liberdades e Direitos do Povo (ULDP).
Amplo e democrático, tal programa continha um conjunto de reivindicações econômicas e políticas mais sentidas pela massa. Exigia terra para trabalhar e título de propriedade; combate à grilagem, com castigo severo a todos que grilassem terras; preços minímos compensatórios para os produtos da região. Levantava questões políticas como "liberdade para reunir-se, discutir seus problemas, criticar as autoridades, exigir seus direitos, organizar suas associações e eleger, sem pressão de nenhum tipo, seus representantes".
O fato é que esse movimento de massas vai se desenvolver a tal ponto que, em 1980, a oposição só não venceu as eleições sindicais por conta do empastelamento perpetrado pelo governo federal como também pelo assassinato de Raimundo Lima, o "Gringo", morto semanas antes do pleito eleitoral. Nessa batalha os principais articuladores governistas era gente de triste estirpe, como o major Curió e o coronel Passarinho.
Num conjunto de artigos para o semanário "Tribuna da Luta Operária" em 1981, Paulo Fonteles sustentava a afirmação acerca da estreita ligação entre a luta das Forças Guerrilheiras do Araguaia e o efervescente movimento camponês no Bico-do-Papagaio. Indicava o advogado:
"...Hoje, em todo Sul do Pará, desenvolve-se um dos movimentos de massas mais ricos do Brasil. Milhares de camponeses erguem seus punhos e, não raro, as armas, para lutar pelo seu direito à terra, levantando-se contra o latifúndio, os grandes grupos econômicos. Particularmente neste último ano, os camponeses da área obtiveram importantes vitórias. No baixo-araguaia, onde se implantou o Destacamento C da guerrilha, dos Caianos, mais de 250 mil hectares de terra já foram apropriados pelo povo, numa verdadeira guerrilha das massas. Só nos últimos 12 meses mais de 30 pessoas, na grande maioria pistoleiros, morreram no conflito. A guerrilha do Araguaia foi, incontestavelmente, a sementeira desta extraordinária luta camponesa...".
É possível se afirmar que a contemporânea luta camponesa na Amazônia têm no exemplo da guerrilha importante ensinamento do ponto de vista de luta organizada e decidida pelo direito à terra e ao trabalho.
Do ponto de vista dos equivocos cometidos pelas Forças Guerrilheiras do Araguaia podemos enumerar que a tática da guerrilha permaneceu estática durante o período da luta.
A Comissão Militar subestimou as tropas oficiais na terceira e última Campanha de Cerco e Aniquilamento, erro considerado decisivo para a derrota militar da guerrilha. Derrotado duas vezes consecutivas, as Forças Armadas retomaram sua operação promovendo mudanças radicais e utilizando-se largamente de tropas especializadas tanto na informação como na repressão propriamente dita.
Aconteceu que o Exército entrou em profundidade na mata, em época de chuvas e promovendo um cerco total da área e fez campanha longa e demorada. O grande desafio identificado pelo Planalto que dirigiu a terceira campanha era evitar a consolidação da guerrilha que, por sua vez, não ampliou sua área de atuação.
Havia no seio das Forças Guerrilheiras o debate para ampliar a atuação para Goiás, Maranhão e Mato Grosso. Dois aspectos devem ter corroborado para que tal ampliação não acontecesse. O primeiro era a insolvência da base material da guerrilha, absolutamente desprovida de recursos ou seja, a guerrilha do Araguaia fora um movimento paupérrimo do ponto de vista dos recursos financeiros. O segundo aspecto fora o fato de que mesmo com amplo apoio popular, tal apoio não permitiu adesão suficiente dos camponeses ao movimento e isso se explica pela extrema brutalidade com que atuaram as tropas oficiais, baseadas na coação, tortura e assassinatos em massa, como agora revela o famigerado Major Curió.
Mesmo com essas limitaçoes que condicionaram a atuação da guerrilha, a Comissão Militar fez um julgamento de natureza idealista e, na terceira investida do Exército praticou uma tática que contrariava o espírito da luta guerrilheira: a concentração de forças.
Com o objetivo de "ter força à mão" para realizar "ações de certa envergadura" a CM decidiu juntar os Destacamentos B e C, fazendo que 32 guerrilheiros passassem a marchar juntos. Essa tática ensejou problemas sérios de abastecimento e deixou rastros marcantes para os mateiros recrutados pelo Exército, além de se transformar num corpo pesado, com pouquissíma mobilidade, diferente da ação de pequenos agrupamentos, agéis na prática do deslocamento e ações de fustigamento. Soma-se a isso a centralização excessiva da Comissão Militar que, na prática, retirava dos combatentes o imprescindível efeito militar de surpreender um inimigo melhor apetrechado do ponto de vista bélico.
Com a vigência de um governo fascista, a brutal repressão promoveu o isolamento político da guerrilha sob o império da mais ferrenha censura e, as Forças Guerrilheiras do Araguaia tiveram que arcar sozinhas, sem nenhum apoio de fora, com aquela importante frente de luta armada contra a ditadura militar. O resultado não poderia ser outro, senão a derrota militar do movimento rebelde.
Por Paulo Fonteles Filho
Dossiê Araguaia - Parte IV
Foi nos porões do Pelotão de Investigações Criminais (PIC), em Brasília, meados de 1972, que Paulo Fonteles e sua esposa Hecilda Veiga tomaram conhecimento da guerrilha no Sul do Pará.
Ante o grito das torturas e a canção "Esses moços, pobres moços" de Lupicínio Rodrigues - usada para abafar a tormenta dos calabouços, método considerado ideal para as bestas-feras da Gestapo tupiniquim- foi que rapidamente correu entre os presos políticos, através de formas que só eles conheciam da presença de vários camponeses presos na região do Bico-do-Papagaio.
Tais prisões expressaram a primeira Campanha de Cerco e Aniquilamento das Forças Armadas naquela remota região, numa das últimas frentes de expansão da sociedade brasileira para combater, segundo afirmaria anos depois o General Viana Moog "a maior rebelião armada do Brasil rural".
A emoção de saber da insurgência no Pará, justamente em seu estado natal, tomou conta do coração e da consciência do jovem preso. Artesão da esperança buscava infundir através de canções, junto a seus companheiros de desterro as composições do espírito popular que manifestavam a brasilidade central, mesmo diante da cancela e das privações. Ainda, como o triunfo da vitalidade da consciência, entoavam todos a canção mundial dos trabalhadores: A Internacional.
Havia, ainda, as poesias populares para as manhãs vermelhas, para a mulher grávida e torturada, para antecipar o futuro, para a liberdade fugidia. Poesias populares deste Brasil profundo e visceral.
Assim, na aguda noite alimentada pelos feitos araguaianos, pelo exemplo heróico da figura de Zé Porfírio, dirigente de Trombas e Formoso, ingressa o jovem preso no partido da guerrilha, o Partido Comunista do Brasil.
Sobrevivente das masmorras tenebrosas do estado terrorista implantado pelos generais, Paulo Fonteles é enquadrado pelo espúrio artigo 477, obra do então Ministro da Educação Jarbas Passarinho. Além de Fonteles, Hecilda Veiga, Humberto e Isa Cunha foram os únicos paraenses enquadrados por aquele instituto que proibia, por três anos, que estudantes acusados de subversão pudessem ter de volta o direito de estudar.
Ao retomar o direito de frenquentar a universidade logo torna-se advogado e apartir de 1977 têm sua atividade vinculada à Comissão Pastoral da Terra (CPT) para a defesa dos interesses dos camponeses e pequenos agricultores do Baixo-Araguaia. Tudo isso fora reforçada pela experiência do conflito da Fazenda Capaz cujo convite recebeu do também advogado e poeta Ruy Barata.
Estava em curso no país a luta pela Anistia e iniciava-se no ABC paulista a fundamental jornada de 1978/1980 que reapresentou para o Brasil a força pujante da classe operária e revelou para a cena política brasileira a figura combativa do metalúrgico Luís Inácio Lula da Silva.
A ditadura militar que aprofundou a subordinação do país aos interesses do imperialismo, particularmente norte-americano e eliminou arbitrariamente as limitadas conquistas sociais e democráticas assistia atônita o reforçamento de um movimento libertário de massas que desaguaria, anos depois, nas febris multidões que nas praças e nas ruas, em 1984, exigiam Diretas-Já.
O fato é que a partir da segunda metade da década de 1970, derrotada fragorosamente nas urnas nas eleições de 1974 pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), legenda que abrigava parcelas significativas das forças oposicionistas do regime, a mais elevada e reacionária oficialidade militar não conseguia esconder a preocupação de que exemplos como os ocorridos em selvas paraenses pudessem ressurgir, inclusive na própria região deflagrada.
Os donos do poder de então tinham plena consciência dos prejuízos que as Forças Guerrilheiras do Araguaia tinham perpetrado contra o regime e não foi por obra do acaso a tristemente famosa Chacina da Lapa que liquidou parte expressiva da direção do PCdoBrasil, entre eles Pedro Pomar e Ângelo Arroyo, em 1976.
Nas circunstâncias das comemorações do Ano Internacional da Mulher, em 1975, o estado repressivo não conseguiu coibir que um pequeno grupo de mulheres lançasse o primeiro Manifesto pela Anistia e o Movimento Feminino pela Anistia e Liberdades Democráticas (MFPA).
A bandeira da Anistia Ampla, Geral e Irrestrita foi como um vento que articulou os setores democráticos da sociedade brasileira até então sufocada pelos grilhões do despotismo militar. Diante de tal situação os presos políticos se levantaram nos presídios e o cárcere, de certa forma, tornou-se um importante centro irradiador de agitação pelas liberdades democráticas e pelo fim do estado de arbitrío.
Muitas informações da luta armada no Brasil, principalmente do Araguaia tornaram-se públicas apartir dos relatos dos presos políticos o que ampliou o impacto das informações para fora da prisão e ensejavam a organização dos que lutavam por liberdade e democracia. Figuras de proa da vida pública brasileira de então, como Teotônio Vilela deram grande visibilidade aos clamores dos desterrados.
O fato é que o MFPA desaguou na criação do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) o que representou a elevação da luta democrática no Brasil. Mesmo com a promulgação da limitada Lei de Anistia, no dia 29 de Agosto de 1979, o regime não pode segurar a radicalização daquele processo que anunciava a consigna do esclarecimento do paradeiro dos desaparecidos do regime.
Os setores democráticos da sociedade brasileira e, inclusos aí os familiares dos desaparecidos políticos passam a se organizar e realizam protestos e congressos cuja centralidade era a obtenção de esclarecimentos do governo federal, travando também a necessária luta política para desgastar a ditadura.
O caminho trilhado foi tornar público para a sociedade brasileira os motivos pela qual milhares de brasileiros se lançaram a mais dura e encarniçada luta contra o regime. No contencioso contra o regime, diversas entidades profissionais se destacavam dentre elas podemos citar a Associação Brasileira da Imprensa (ABI) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Em novembro de 1979 é realizado em Salvador-Ba o II Congresso Nacional pela Anistia (o primeiro fora realizado pelos exilados em Roma, em junho de 1979) e é lançado o Manifesto dos Familiares dos Mortos e Desaparecidos do Araguaia, num esforço extraordinário para reunir alguns familiares dos combatentes que tombaram nas matas paraenses.
Fora um trabalho duro e intenso de pesquisa. Era imprescindível relacionar os nomes da totalidade dos guerrilheiros, mesmo não sendo possível até aquele momento o conhecimento dos nomes e endereços dos familiares por conta do fato de que os guerrilheiros eram oriundos de diversas partes do Brasil além do estado repressivo que vigorava no país.
Um outro fator decisivo para a obtenção das informações, além daquelas prestadas pelos que foram aprisionados na primeira Campanha de Cerco e Aniquilamento, foram os relatos de dirigentes do PCdoBrasil que retornavam do exílio.
Em certa medida as informações sobre a guerrilha criaram um ambiente de fascínio pela bravura daqueles que ficaram conhecidos como "povo da mata". Uma farta literatura passou a ser confeccionada e a cada nova informação crescia e até os nossos dias cresce a curiosidade acerca dos acontecimentos nas selvas paraenses.
No comovente Manifesto do II Congresso Nacional pela Anistia que aqui transcrevo, num trecho significativo, revela-se a fibra que é inerente ao povo brasileiro:
"A nós familiares, através dos Comitês Brasileiros pela Anistia, cabemos o dever sagrado de esclarecer aos presentes de forma concisa e clara o que foi a Guerra do Araguaia, essa guerra que o regime militar faz absoluta questão de manter em segredo e procura a todo custo impedir que qualquer informação a esse respeito chegue ao conhecimento do povo brasileiro:
A partir de 1967 várias pessoas deixaram seus lares, suas faculdades, seus empregos em vários pontos do Brasil, para passarem a residir na região do Araguaia, onde a população vivia e vive até hoje na mais completa miséria. Começaram, então, a desenvolver um trabalho junto ao povo, de assistência e conscientização das causas dos seus mais angustiantes problemas e organizando-os no sentido de resistirem e lutarem contra aqueles que os exploravam, contra aqueles que os expulsavam de suas terras e contra as adversidades inerentes à vida do campo.
Mas, infelizmente, foram descobertos cedo demais pelas forças do regime militar em abril de 1972, que caíram com todas as suas garras assassinas e terroristas sobre esses rapazes e moças, e também, sobre a população camponesa local. A única alternativa foi resistir ao ataque monstruoso das forças combinadas do Exército, Marinha, Aeronáutica e Policias Militares locais, pois se se deixassem aprisionar, fatalmente seriam torturados até a morte como foram alguns que caíram em suas mãos. É imperioso ressaltar que as forças guerrilheiras do Araguaia conseguiram, nas duas primeiras campanhas desferidas pelas Forças Armadas, vitórias significativas, provocando às forças inimigas sérios revezes. Entretanto, entre a segunda e a terceira campanha houve uma trégua de cerca de um ano, em cujo período os guerrilheiros poderiam escapar, mas, para certamente não deixarem os camponeses entregues à própria sorte, decidiram ficar na região e como diz o final do Regulamento dos Guerrilheiros: "É hora da decisão, de acabar para sempre com o abandono em que vive o interior e por fim nos incontáveis sofrimentos de milhões de brasileiros abandonados, humilhados e explorados. A revolução abrirá caminho para uma vida nova. Até hoje, o povo foi tratado como escravo. Chegou o momento de levantar-se para varrer os inimigos da liberdade, da indepêndencia e do progresso do Brasil".
Entretanto, desgraçadamente, no transcorrer da terceira campanha, as Forças Armadas, que utilizaram durante as três campanhas um contingente de tropas, segundo declaração de um comandante militar, semelhante ao da Força Expedicionária Brasileira (FEB) nos campos de batalha da Itália, isto é, cerca de 20 mil homens, se valendo das mais sofisticadas armas de guerra, inclusive com assessoramento de oficiais portugueses com experiência de guerrilhas nas colônias de Portugal na África, conseguiram, finalmente, aniquilar bandidescamente e covardemente os nossos entes queridos. Mas como está transcrito no livro "Diário da Guerrilha do Araguaia" prefaciado por Clóvis Moura: "Filhos queridos do povo, patriotas da melhor estirpe, ousam desafiar as dificuldades, os revezes e os sacrifícios com o pensamento voltado para o Brasil livre do despotismo. Conquistam o respeito e admirtação das grandes massas populares. Viverão no coração de todos que amam a liberdade e odeiam a opressão. Seus nomes permanecerão eternamente gravados na memória de coragem e dignidade que erigiram com seu devotamento à causa do povo, com seu sangue e suas vidas".
O documento dos familiares enumera, ainda, todos os combatentes, incluindo os camponeses que pegaram em armas e é concluído com o seguinte senso de responsabilidade:
"É nosso dever tornar público o que nossos filhos, irmãos, pais, enfim, nossos entes queridos sofreram nessa luta tremendamente desigual, mas que mesmo assim souberam resistir com bravura e heroísmo até as suas forças, à sanha fascista da ditadura. Muitos, ou quase todos morreram, porém tombaram mantendo erguida a bandeira por melhores condições de vida pela liberdade do povo brasileiro e cabe a nós tomarmos nas mãos esta bandeira e prosseguir na luta que esses homens e mulheres, nossos compatriotas iniciaram, e elevar aos mais altos níveis a memória destes heróis do nosso povo".
Fundamentados pelo relatório oficial pelo Ministério da Guerra, de 5 de Janeiro de 1975 é que os familiares em 1982 constituem o advogado Luís Eduardo Greenhalgh e é ajuizada ação contra a união buscando a indicação das sepulturas de seus parentes, a lavratura dos atestados de óbito e o traslado dos despojos mortais para um sepultamento digno. Em 2007, vinte e cinco anos depois é que o resultado é prolatado favoravelmente aos familiares dos mortos e desaparecidos do Araguaia.
Por Paulo Fonteles Filho.
Ante o grito das torturas e a canção "Esses moços, pobres moços" de Lupicínio Rodrigues - usada para abafar a tormenta dos calabouços, método considerado ideal para as bestas-feras da Gestapo tupiniquim- foi que rapidamente correu entre os presos políticos, através de formas que só eles conheciam da presença de vários camponeses presos na região do Bico-do-Papagaio.
Tais prisões expressaram a primeira Campanha de Cerco e Aniquilamento das Forças Armadas naquela remota região, numa das últimas frentes de expansão da sociedade brasileira para combater, segundo afirmaria anos depois o General Viana Moog "a maior rebelião armada do Brasil rural".
A emoção de saber da insurgência no Pará, justamente em seu estado natal, tomou conta do coração e da consciência do jovem preso. Artesão da esperança buscava infundir através de canções, junto a seus companheiros de desterro as composições do espírito popular que manifestavam a brasilidade central, mesmo diante da cancela e das privações. Ainda, como o triunfo da vitalidade da consciência, entoavam todos a canção mundial dos trabalhadores: A Internacional.
Havia, ainda, as poesias populares para as manhãs vermelhas, para a mulher grávida e torturada, para antecipar o futuro, para a liberdade fugidia. Poesias populares deste Brasil profundo e visceral.
Assim, na aguda noite alimentada pelos feitos araguaianos, pelo exemplo heróico da figura de Zé Porfírio, dirigente de Trombas e Formoso, ingressa o jovem preso no partido da guerrilha, o Partido Comunista do Brasil.
Sobrevivente das masmorras tenebrosas do estado terrorista implantado pelos generais, Paulo Fonteles é enquadrado pelo espúrio artigo 477, obra do então Ministro da Educação Jarbas Passarinho. Além de Fonteles, Hecilda Veiga, Humberto e Isa Cunha foram os únicos paraenses enquadrados por aquele instituto que proibia, por três anos, que estudantes acusados de subversão pudessem ter de volta o direito de estudar.
Ao retomar o direito de frenquentar a universidade logo torna-se advogado e apartir de 1977 têm sua atividade vinculada à Comissão Pastoral da Terra (CPT) para a defesa dos interesses dos camponeses e pequenos agricultores do Baixo-Araguaia. Tudo isso fora reforçada pela experiência do conflito da Fazenda Capaz cujo convite recebeu do também advogado e poeta Ruy Barata.
Estava em curso no país a luta pela Anistia e iniciava-se no ABC paulista a fundamental jornada de 1978/1980 que reapresentou para o Brasil a força pujante da classe operária e revelou para a cena política brasileira a figura combativa do metalúrgico Luís Inácio Lula da Silva.
A ditadura militar que aprofundou a subordinação do país aos interesses do imperialismo, particularmente norte-americano e eliminou arbitrariamente as limitadas conquistas sociais e democráticas assistia atônita o reforçamento de um movimento libertário de massas que desaguaria, anos depois, nas febris multidões que nas praças e nas ruas, em 1984, exigiam Diretas-Já.
O fato é que a partir da segunda metade da década de 1970, derrotada fragorosamente nas urnas nas eleições de 1974 pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), legenda que abrigava parcelas significativas das forças oposicionistas do regime, a mais elevada e reacionária oficialidade militar não conseguia esconder a preocupação de que exemplos como os ocorridos em selvas paraenses pudessem ressurgir, inclusive na própria região deflagrada.
Os donos do poder de então tinham plena consciência dos prejuízos que as Forças Guerrilheiras do Araguaia tinham perpetrado contra o regime e não foi por obra do acaso a tristemente famosa Chacina da Lapa que liquidou parte expressiva da direção do PCdoBrasil, entre eles Pedro Pomar e Ângelo Arroyo, em 1976.
Nas circunstâncias das comemorações do Ano Internacional da Mulher, em 1975, o estado repressivo não conseguiu coibir que um pequeno grupo de mulheres lançasse o primeiro Manifesto pela Anistia e o Movimento Feminino pela Anistia e Liberdades Democráticas (MFPA).
A bandeira da Anistia Ampla, Geral e Irrestrita foi como um vento que articulou os setores democráticos da sociedade brasileira até então sufocada pelos grilhões do despotismo militar. Diante de tal situação os presos políticos se levantaram nos presídios e o cárcere, de certa forma, tornou-se um importante centro irradiador de agitação pelas liberdades democráticas e pelo fim do estado de arbitrío.
Muitas informações da luta armada no Brasil, principalmente do Araguaia tornaram-se públicas apartir dos relatos dos presos políticos o que ampliou o impacto das informações para fora da prisão e ensejavam a organização dos que lutavam por liberdade e democracia. Figuras de proa da vida pública brasileira de então, como Teotônio Vilela deram grande visibilidade aos clamores dos desterrados.
O fato é que o MFPA desaguou na criação do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) o que representou a elevação da luta democrática no Brasil. Mesmo com a promulgação da limitada Lei de Anistia, no dia 29 de Agosto de 1979, o regime não pode segurar a radicalização daquele processo que anunciava a consigna do esclarecimento do paradeiro dos desaparecidos do regime.
Os setores democráticos da sociedade brasileira e, inclusos aí os familiares dos desaparecidos políticos passam a se organizar e realizam protestos e congressos cuja centralidade era a obtenção de esclarecimentos do governo federal, travando também a necessária luta política para desgastar a ditadura.
O caminho trilhado foi tornar público para a sociedade brasileira os motivos pela qual milhares de brasileiros se lançaram a mais dura e encarniçada luta contra o regime. No contencioso contra o regime, diversas entidades profissionais se destacavam dentre elas podemos citar a Associação Brasileira da Imprensa (ABI) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Em novembro de 1979 é realizado em Salvador-Ba o II Congresso Nacional pela Anistia (o primeiro fora realizado pelos exilados em Roma, em junho de 1979) e é lançado o Manifesto dos Familiares dos Mortos e Desaparecidos do Araguaia, num esforço extraordinário para reunir alguns familiares dos combatentes que tombaram nas matas paraenses.
Fora um trabalho duro e intenso de pesquisa. Era imprescindível relacionar os nomes da totalidade dos guerrilheiros, mesmo não sendo possível até aquele momento o conhecimento dos nomes e endereços dos familiares por conta do fato de que os guerrilheiros eram oriundos de diversas partes do Brasil além do estado repressivo que vigorava no país.
Um outro fator decisivo para a obtenção das informações, além daquelas prestadas pelos que foram aprisionados na primeira Campanha de Cerco e Aniquilamento, foram os relatos de dirigentes do PCdoBrasil que retornavam do exílio.
Em certa medida as informações sobre a guerrilha criaram um ambiente de fascínio pela bravura daqueles que ficaram conhecidos como "povo da mata". Uma farta literatura passou a ser confeccionada e a cada nova informação crescia e até os nossos dias cresce a curiosidade acerca dos acontecimentos nas selvas paraenses.
No comovente Manifesto do II Congresso Nacional pela Anistia que aqui transcrevo, num trecho significativo, revela-se a fibra que é inerente ao povo brasileiro:
"A nós familiares, através dos Comitês Brasileiros pela Anistia, cabemos o dever sagrado de esclarecer aos presentes de forma concisa e clara o que foi a Guerra do Araguaia, essa guerra que o regime militar faz absoluta questão de manter em segredo e procura a todo custo impedir que qualquer informação a esse respeito chegue ao conhecimento do povo brasileiro:
A partir de 1967 várias pessoas deixaram seus lares, suas faculdades, seus empregos em vários pontos do Brasil, para passarem a residir na região do Araguaia, onde a população vivia e vive até hoje na mais completa miséria. Começaram, então, a desenvolver um trabalho junto ao povo, de assistência e conscientização das causas dos seus mais angustiantes problemas e organizando-os no sentido de resistirem e lutarem contra aqueles que os exploravam, contra aqueles que os expulsavam de suas terras e contra as adversidades inerentes à vida do campo.
Mas, infelizmente, foram descobertos cedo demais pelas forças do regime militar em abril de 1972, que caíram com todas as suas garras assassinas e terroristas sobre esses rapazes e moças, e também, sobre a população camponesa local. A única alternativa foi resistir ao ataque monstruoso das forças combinadas do Exército, Marinha, Aeronáutica e Policias Militares locais, pois se se deixassem aprisionar, fatalmente seriam torturados até a morte como foram alguns que caíram em suas mãos. É imperioso ressaltar que as forças guerrilheiras do Araguaia conseguiram, nas duas primeiras campanhas desferidas pelas Forças Armadas, vitórias significativas, provocando às forças inimigas sérios revezes. Entretanto, entre a segunda e a terceira campanha houve uma trégua de cerca de um ano, em cujo período os guerrilheiros poderiam escapar, mas, para certamente não deixarem os camponeses entregues à própria sorte, decidiram ficar na região e como diz o final do Regulamento dos Guerrilheiros: "É hora da decisão, de acabar para sempre com o abandono em que vive o interior e por fim nos incontáveis sofrimentos de milhões de brasileiros abandonados, humilhados e explorados. A revolução abrirá caminho para uma vida nova. Até hoje, o povo foi tratado como escravo. Chegou o momento de levantar-se para varrer os inimigos da liberdade, da indepêndencia e do progresso do Brasil".
Entretanto, desgraçadamente, no transcorrer da terceira campanha, as Forças Armadas, que utilizaram durante as três campanhas um contingente de tropas, segundo declaração de um comandante militar, semelhante ao da Força Expedicionária Brasileira (FEB) nos campos de batalha da Itália, isto é, cerca de 20 mil homens, se valendo das mais sofisticadas armas de guerra, inclusive com assessoramento de oficiais portugueses com experiência de guerrilhas nas colônias de Portugal na África, conseguiram, finalmente, aniquilar bandidescamente e covardemente os nossos entes queridos. Mas como está transcrito no livro "Diário da Guerrilha do Araguaia" prefaciado por Clóvis Moura: "Filhos queridos do povo, patriotas da melhor estirpe, ousam desafiar as dificuldades, os revezes e os sacrifícios com o pensamento voltado para o Brasil livre do despotismo. Conquistam o respeito e admirtação das grandes massas populares. Viverão no coração de todos que amam a liberdade e odeiam a opressão. Seus nomes permanecerão eternamente gravados na memória de coragem e dignidade que erigiram com seu devotamento à causa do povo, com seu sangue e suas vidas".
O documento dos familiares enumera, ainda, todos os combatentes, incluindo os camponeses que pegaram em armas e é concluído com o seguinte senso de responsabilidade:
"É nosso dever tornar público o que nossos filhos, irmãos, pais, enfim, nossos entes queridos sofreram nessa luta tremendamente desigual, mas que mesmo assim souberam resistir com bravura e heroísmo até as suas forças, à sanha fascista da ditadura. Muitos, ou quase todos morreram, porém tombaram mantendo erguida a bandeira por melhores condições de vida pela liberdade do povo brasileiro e cabe a nós tomarmos nas mãos esta bandeira e prosseguir na luta que esses homens e mulheres, nossos compatriotas iniciaram, e elevar aos mais altos níveis a memória destes heróis do nosso povo".
Fundamentados pelo relatório oficial pelo Ministério da Guerra, de 5 de Janeiro de 1975 é que os familiares em 1982 constituem o advogado Luís Eduardo Greenhalgh e é ajuizada ação contra a união buscando a indicação das sepulturas de seus parentes, a lavratura dos atestados de óbito e o traslado dos despojos mortais para um sepultamento digno. Em 2007, vinte e cinco anos depois é que o resultado é prolatado favoravelmente aos familiares dos mortos e desaparecidos do Araguaia.
Por Paulo Fonteles Filho.
''Conservadores não admitem a reparação a todas as vítimas''
Segundo ele, comissão não foi sequer ouvida pela Justiça antes da decisão sobre a suspensão dos pagamentos
BRASÍLIA - 01/01/2010.
Entrevista / Paulo Abrão: presidente da Comissão de Anistia
Mesmo acostumado a debates acalorados sobre o regime militar, o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, diz ter recebido com surpresa a notícia de que a Justiça do Rio de Janeiro aceitou pedido para suspender indenizações a 44 pessoas do Pará que sofreram prejuízos durante a repressão aos guerrilheiros do Araguaia, nos anos 1970. Desta vez a lista de beneficiários é formada por pessoas da classe baixa, que estavam no fogo cruzado dos combates e não sabiam o motivo da repressão.
Como o senhor recebeu a notícia da suspensão das indenizações para moradores do Araguaia?
É uma reação de setores conservadores que não admitem a proposta de reparação a todas as vítimas do regime militar. Só neste ano, a comissão julgou quase dez mil casos. Há muitas ações na Justiça para rever valores de indenizações. Só tinha ocorrido uma ação para suspender pagamento no caso Carlos Lamarca. Existia uma opinião do Clube Militar, de pessoas da reserva, de que ele desertou do Exército. Há a análise de que ele foi levado a se afastar.
O senhor foi ouvido pela Justiça antes da decisão?
Para a nossa surpresa, o juiz nem sequer nos ouviu para suspender os pagamentos de 44 camponeses do Araguaia. Normalmente, a Comissão de Anistia é ouvida em todas as ações judiciais. O juiz se baseou na alegação de um cidadão do Rio de Janeiro, que recorreu a recortes de jornais que relatavam que não tinha sido fácil para a Comissão chegar à conclusão de que aquelas pessoas eram vítimas do regime militar. A Comissão foi três vezes à região, gravou depoimentos, analisou arquivos do Pará, consultou o Arquivo Nacional, que guarda os documentos do extinto SNI (Serviço Nacional de Informações), e avaliou depoimentos colhidos em 2001 pelo Ministério Público.
Qual é a alegação para bloquear os pagamentos?
Alega-se a ausência de comprovação histórica logo agora que as indenizações são para uma parcela muito humilde da sociedade. Em primeiro lugar, há um viés ideológico mais intenso quando de se trata da guerrilha do Araguaia. Em segundo, é um assunto cuja cobertura dos fatos foi suprimida dos meios de comunicação, o que implica menor quantidade de documentos e registros. Há pouco tempo, a própria guerrilha do Araguaia era negada como fato histórico.
Por que nunca houve bloqueio aos pagamentos de valores mais elevados, para anistiados das cidades, das classes média e alta?
O dado concreto é que dessa vez não se estava anistiando necessariamente os perseguidos políticos oriundos das organizações clandestinas ou dos sindicatos, mas de uma parcela da sociedade que foi atingida e perseguida sem a consciência de que estava em volta a um episódio político. Agora, quando vamos fazer justiça a camponeses, gente humilde que teve a vida destroçada, viveu por três anos um estado de sítio, sem seu direito de ir e vir, vem um cidadão do Rio de Janeiro se intitulando arauto da verdade.
Esta é uma decisão que constrange?
O que me deixa insatisfeito é que não estamos tratando de militares que causaram a repressão nem do foco guerrilheiro, estamos falando da população civil que não sabia o que estava acontecendo. Essas pessoas tiveram gestos humanitários com guerrilheiros que estavam sendo caçados. Carregam sequelas de sequestro, perderam suas terras, trabalharam como escravas, foram levadas para trabalhar com militares, forçadas a entrar na mata para caçar guerrilheiros, e enfrentaram torturas físicas e psicológicas. Como alguém imbuído de visões ideológicas da Guerra Fria entra na Justiça para suspender indenizações de pessoas que sofreram nas mãos do Estado? O Estado tem o dever de reparação. Não é uma política de governo, mas uma política de Estado. Não se trata de dever ideológico e sim de uma questão de princípio.
http://www.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1714
BRASÍLIA - 01/01/2010.
Entrevista / Paulo Abrão: presidente da Comissão de Anistia
Mesmo acostumado a debates acalorados sobre o regime militar, o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, diz ter recebido com surpresa a notícia de que a Justiça do Rio de Janeiro aceitou pedido para suspender indenizações a 44 pessoas do Pará que sofreram prejuízos durante a repressão aos guerrilheiros do Araguaia, nos anos 1970. Desta vez a lista de beneficiários é formada por pessoas da classe baixa, que estavam no fogo cruzado dos combates e não sabiam o motivo da repressão.
Como o senhor recebeu a notícia da suspensão das indenizações para moradores do Araguaia?
É uma reação de setores conservadores que não admitem a proposta de reparação a todas as vítimas do regime militar. Só neste ano, a comissão julgou quase dez mil casos. Há muitas ações na Justiça para rever valores de indenizações. Só tinha ocorrido uma ação para suspender pagamento no caso Carlos Lamarca. Existia uma opinião do Clube Militar, de pessoas da reserva, de que ele desertou do Exército. Há a análise de que ele foi levado a se afastar.
O senhor foi ouvido pela Justiça antes da decisão?
Para a nossa surpresa, o juiz nem sequer nos ouviu para suspender os pagamentos de 44 camponeses do Araguaia. Normalmente, a Comissão de Anistia é ouvida em todas as ações judiciais. O juiz se baseou na alegação de um cidadão do Rio de Janeiro, que recorreu a recortes de jornais que relatavam que não tinha sido fácil para a Comissão chegar à conclusão de que aquelas pessoas eram vítimas do regime militar. A Comissão foi três vezes à região, gravou depoimentos, analisou arquivos do Pará, consultou o Arquivo Nacional, que guarda os documentos do extinto SNI (Serviço Nacional de Informações), e avaliou depoimentos colhidos em 2001 pelo Ministério Público.
Qual é a alegação para bloquear os pagamentos?
Alega-se a ausência de comprovação histórica logo agora que as indenizações são para uma parcela muito humilde da sociedade. Em primeiro lugar, há um viés ideológico mais intenso quando de se trata da guerrilha do Araguaia. Em segundo, é um assunto cuja cobertura dos fatos foi suprimida dos meios de comunicação, o que implica menor quantidade de documentos e registros. Há pouco tempo, a própria guerrilha do Araguaia era negada como fato histórico.
Por que nunca houve bloqueio aos pagamentos de valores mais elevados, para anistiados das cidades, das classes média e alta?
O dado concreto é que dessa vez não se estava anistiando necessariamente os perseguidos políticos oriundos das organizações clandestinas ou dos sindicatos, mas de uma parcela da sociedade que foi atingida e perseguida sem a consciência de que estava em volta a um episódio político. Agora, quando vamos fazer justiça a camponeses, gente humilde que teve a vida destroçada, viveu por três anos um estado de sítio, sem seu direito de ir e vir, vem um cidadão do Rio de Janeiro se intitulando arauto da verdade.
Esta é uma decisão que constrange?
O que me deixa insatisfeito é que não estamos tratando de militares que causaram a repressão nem do foco guerrilheiro, estamos falando da população civil que não sabia o que estava acontecendo. Essas pessoas tiveram gestos humanitários com guerrilheiros que estavam sendo caçados. Carregam sequelas de sequestro, perderam suas terras, trabalharam como escravas, foram levadas para trabalhar com militares, forçadas a entrar na mata para caçar guerrilheiros, e enfrentaram torturas físicas e psicológicas. Como alguém imbuído de visões ideológicas da Guerra Fria entra na Justiça para suspender indenizações de pessoas que sofreram nas mãos do Estado? O Estado tem o dever de reparação. Não é uma política de governo, mas uma política de Estado. Não se trata de dever ideológico e sim de uma questão de princípio.
http://www.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1714
Agricultores ''perdem'' indenização
Decisão da Justiça, que suspendeu pagamento, é contestada por associação de torturados da guerrilha do Araguaia.
31 de dezembro de 2009 - 0h 00
Leonencio Nossa, BRASÍLIA - O Estadao de S.Paulo
Derrotados pelas tropas enviadas a mando de Brasília nos anos 70, camponeses que participaram da Guerrilha do Araguaia querem agora travar uma outra luta na capital: o direito à indenização. Reconhecidos como anistiados pelo governo em junho passado, 44 agricultores até agora nada receberam por causa de uma decisão da Justiça Federal do Rio de Janeiro, que mandou o governo suspender o pagamento das indenizações.
"A peleja vai ser agora em janeiro", diz Sezostrys Alves, presidente da Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia, sobre o movimento de cobrança dos agricultores. Dos 44 beneficiados pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, cinco já morreram e boa parte está doente e vive em estado de pobreza absoluta, de acordo com Alves.
Uma das camponesas que tiveram o pagamento suspenso foi Adalgisa Moraes, de 76 anos, de São Domingos do Araguaia. Em junho, o Estado contou a história da camponesa, que dava comida para os guerrilheiros no momento mais dramático do cerco militar. Ela e o marido, Frederico Lopes, 72, tiveram a casa incendiada pelos militares e foram expulsos de sua propriedade.
Lopes ficou com sequelas das torturas na base militar da Bacaba, na Transamazônica. Enfrentando problemas financeiros e de saúde, ele faz parte do grupo de outros 200 agricultores que ainda aguardam análise de pedidos de indenização. O casal planeja sair do aluguel e fazer tratamento em Araguaina ou Marabá.
BLOQUEIO
O bloqueio das indenizações concedidas em junho foi pedido pelos advogados do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP-RJ), que representa setores conservadores das Forças Armadas. A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça recorreu da decisão do juiz José Carlos Zebulum, da 27ª Vara Federal. As indenizações variam de R$ 83 mil a R$ 142 mil.
"O pessoal está morrendo e muitos não têm mesmo condições físicas de ir ao banco ver se o dinheiro chegou", disse Alves, cuja associação reúne 280 agricultores dos povoados e sítios onde ocorreram os combates. "Eles não querem que os pobres contem a história do Araguaia", acrescentou.
De 1995 a 2007, o governo federal priorizou indenizações a perseguidos e vítimas do regime militar das cidades, a maioria das classes média e alta. As indenizações elevadas causaram polêmica. Naquele período só dois camponeses do Araguaia receberam indenizações. A partir de 2007, quando Tarso Genro assumiu o Ministério da Justiça, os agricultores com vínculos ou não com a guerrilha também passaram a ter seus processos analisados pela Comissão de Anistia, que passou a ser comandada por Paulo Abrão.
Em junho, o ministro entregou simbolicamente 44 indenizações a agricultores na praça principal de São Domingos do Araguaia. Os pagamentos estavam para ser liberados pelo Ministério do Planejamento quando a Justiça Federal fez o bloqueio.
O deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), pai do deputado Flávio, avisa que a família não pretende retirar a ação que apresentou à Justiça. "O pessoal da esquerda foi lá estimular os caboclos a contar uma história que não existiu e em troca dariam cem mil para cada um", disse Jair Bolsonaro.
A uma pergunta sobre o motivo de não ter entrado na Justiça para suspender pagamentos milionários à classe média da luta armada, ele respondeu: "Essa história toda começou lá atrás, no governo Fernando Henrique, quando começaram a dar indenizações apenas para a esquerda, não deram para militares", disse, em referência ao governo do ex-presidente tucano, Fernando Henrique Cardoso. "Somos contra indenizações para todo mundo", concluiu.
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100101/not_imp489263,0.php
31 de dezembro de 2009 - 0h 00
Leonencio Nossa, BRASÍLIA - O Estadao de S.Paulo
Derrotados pelas tropas enviadas a mando de Brasília nos anos 70, camponeses que participaram da Guerrilha do Araguaia querem agora travar uma outra luta na capital: o direito à indenização. Reconhecidos como anistiados pelo governo em junho passado, 44 agricultores até agora nada receberam por causa de uma decisão da Justiça Federal do Rio de Janeiro, que mandou o governo suspender o pagamento das indenizações.
"A peleja vai ser agora em janeiro", diz Sezostrys Alves, presidente da Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia, sobre o movimento de cobrança dos agricultores. Dos 44 beneficiados pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, cinco já morreram e boa parte está doente e vive em estado de pobreza absoluta, de acordo com Alves.
Uma das camponesas que tiveram o pagamento suspenso foi Adalgisa Moraes, de 76 anos, de São Domingos do Araguaia. Em junho, o Estado contou a história da camponesa, que dava comida para os guerrilheiros no momento mais dramático do cerco militar. Ela e o marido, Frederico Lopes, 72, tiveram a casa incendiada pelos militares e foram expulsos de sua propriedade.
Lopes ficou com sequelas das torturas na base militar da Bacaba, na Transamazônica. Enfrentando problemas financeiros e de saúde, ele faz parte do grupo de outros 200 agricultores que ainda aguardam análise de pedidos de indenização. O casal planeja sair do aluguel e fazer tratamento em Araguaina ou Marabá.
BLOQUEIO
O bloqueio das indenizações concedidas em junho foi pedido pelos advogados do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP-RJ), que representa setores conservadores das Forças Armadas. A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça recorreu da decisão do juiz José Carlos Zebulum, da 27ª Vara Federal. As indenizações variam de R$ 83 mil a R$ 142 mil.
"O pessoal está morrendo e muitos não têm mesmo condições físicas de ir ao banco ver se o dinheiro chegou", disse Alves, cuja associação reúne 280 agricultores dos povoados e sítios onde ocorreram os combates. "Eles não querem que os pobres contem a história do Araguaia", acrescentou.
De 1995 a 2007, o governo federal priorizou indenizações a perseguidos e vítimas do regime militar das cidades, a maioria das classes média e alta. As indenizações elevadas causaram polêmica. Naquele período só dois camponeses do Araguaia receberam indenizações. A partir de 2007, quando Tarso Genro assumiu o Ministério da Justiça, os agricultores com vínculos ou não com a guerrilha também passaram a ter seus processos analisados pela Comissão de Anistia, que passou a ser comandada por Paulo Abrão.
Em junho, o ministro entregou simbolicamente 44 indenizações a agricultores na praça principal de São Domingos do Araguaia. Os pagamentos estavam para ser liberados pelo Ministério do Planejamento quando a Justiça Federal fez o bloqueio.
O deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), pai do deputado Flávio, avisa que a família não pretende retirar a ação que apresentou à Justiça. "O pessoal da esquerda foi lá estimular os caboclos a contar uma história que não existiu e em troca dariam cem mil para cada um", disse Jair Bolsonaro.
A uma pergunta sobre o motivo de não ter entrado na Justiça para suspender pagamentos milionários à classe média da luta armada, ele respondeu: "Essa história toda começou lá atrás, no governo Fernando Henrique, quando começaram a dar indenizações apenas para a esquerda, não deram para militares", disse, em referência ao governo do ex-presidente tucano, Fernando Henrique Cardoso. "Somos contra indenizações para todo mundo", concluiu.
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100101/not_imp489263,0.php
Governo quer definição sobre indenização a camponeses no Araguaia
10 de Junho de 2010 - 12h47
O presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, disse nesta quarta-feira que o governo espera uma decisão da Justiça sobre o caso de 44 camponeses torturados no período da Guerrilha do Araguaia que tiveram as suas indenizações suspensas. O assunto foi debatido em audiência pública da comissão especial da Câmara sobre as leis de anistia.
O Ministério da Justiça havia autorizado, em julho de 2009, que fossem concedidos dois salários mínimos de aposentadoria aos 44 torturados, mas uma liminar da Justiça Federal suspendeu o pagamento em setembro. Paulo Abrão disse que foram colhidos os depoimentos de mais de 350 pessoas para avaliar se as indenizações deveriam ser concedidas.
Segundo ele, os camponeses foram submetidos ao ambiente de tortura, perderam suas terras e foram escravizados a serviço das Forças Armadas para trabalhar na repressão aos guerrilheiros. "Chegamos ao entendimento de que, das pessoas ouvidas, 44 já podem ser indenizadas. Então, aguardamos com expectativa a decisão da Justiça sobre o pagamento dessas indenizações", informou Abrão.
Resistência
O presidente da comissão especial da Câmara, deputado Daniel Almeida (PC do B-BA), alertou que ainda existe grande resistência ao conhecimento da verdade sobre a Guerrilha do Araguaia. "Há uma tentativa de negar aquela anistia que foi concedida. Então, esclarecer esse episódio é fundamental para a população brasileira, para o processo de democratização e o aprofundamento do conhecimento da verdade", ressaltou.
A Advocacia-Geral da União faz a defesa do pagamento das indenizações junto à Justiça Federal, que ainda analisará o mérito da ação. Daniel Almeida e o relator da comissão especial, deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), já assinaram ofício que será enviado ao TRF (Tribunal Regional Federal) com pedido de suspensão da liminar.
Fonte: Folha Online
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=1&id_noticia=131164
O presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, disse nesta quarta-feira que o governo espera uma decisão da Justiça sobre o caso de 44 camponeses torturados no período da Guerrilha do Araguaia que tiveram as suas indenizações suspensas. O assunto foi debatido em audiência pública da comissão especial da Câmara sobre as leis de anistia.
O Ministério da Justiça havia autorizado, em julho de 2009, que fossem concedidos dois salários mínimos de aposentadoria aos 44 torturados, mas uma liminar da Justiça Federal suspendeu o pagamento em setembro. Paulo Abrão disse que foram colhidos os depoimentos de mais de 350 pessoas para avaliar se as indenizações deveriam ser concedidas.
Segundo ele, os camponeses foram submetidos ao ambiente de tortura, perderam suas terras e foram escravizados a serviço das Forças Armadas para trabalhar na repressão aos guerrilheiros. "Chegamos ao entendimento de que, das pessoas ouvidas, 44 já podem ser indenizadas. Então, aguardamos com expectativa a decisão da Justiça sobre o pagamento dessas indenizações", informou Abrão.
Resistência
O presidente da comissão especial da Câmara, deputado Daniel Almeida (PC do B-BA), alertou que ainda existe grande resistência ao conhecimento da verdade sobre a Guerrilha do Araguaia. "Há uma tentativa de negar aquela anistia que foi concedida. Então, esclarecer esse episódio é fundamental para a população brasileira, para o processo de democratização e o aprofundamento do conhecimento da verdade", ressaltou.
A Advocacia-Geral da União faz a defesa do pagamento das indenizações junto à Justiça Federal, que ainda analisará o mérito da ação. Daniel Almeida e o relator da comissão especial, deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), já assinaram ofício que será enviado ao TRF (Tribunal Regional Federal) com pedido de suspensão da liminar.
Fonte: Folha Online
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=1&id_noticia=131164
Justiça suspende anistia a camponeses do Araguaia
Juiz federal do Rio de Janeiro suependeu pagamento de indenizações a 44 camponeses da região do Araguaia, anistiados pela Comissão de Anistia em 2009. Decisão liminar atende ação interposta por assessor ligado ao gabinete do deputado Flávio Bolsonaro (PP-RJ), filho do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ). "Este mesmo cidadão ingressou com outra ação popular que suspendeu a anistia de Carlos Lamarca que concedemos em 2007", revela Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia, que vai recorrer da decisão da Justiça federal do RJ.
Marco Aurélio Weissheimer
O juiz José Carlos Zebulum, da 27ª Vara Federal do Rio de Janeiro, suspendeu o pagamento das indenizações aos 44 camponeses do Araguaia anistiados pela Comissão de Anistia em 2009, informa o presidente da Comissão, Paulo Abrão. Trata-se de uma liminar, com efeito suspensivo, a partir de uma ação popular interposta por um assessor ligado ao gabinete do deputado Flávio Bolsonaro (PP-RJ), filho do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ).
“Este mesmo cidadão ingressou com outra ação popular que suspendeu a anistia de Carlos Lamarca que concedemos em 2007”, revela Abrão. Em mais de 8 anos de existência da Comissão, trata-se dos dois únicos casos em que uma decisão judicial suspendeu decisão da Comissão de Anistia concessiva de direitos (as indenizações variam de R$ 83 mil a R$ 142 mil).
“O juiz concedeu a liminar sem sequer ouvir previamente a Comissão. Estamos recorrendo da decisão,” diz Abrão. Segundo ele, a Comissão continuará a apreciar os demais requerimentos de anistia de camponeses do Araguaia.
“Temos ainda mais 150 pedidos para estudar e apreciar e não suspenderemos nossas atividades regulares em matéria da Guerrilha do Araguaia. E aguardamos o bom senso do juiz em rever esta decisão que amparou-se única e exclusivamente em alegações de um cidadão do Rio de Janeiro que não acompanhou o árduo trabalho que resultou na colheita de mais de 300 depoimentos in loco, filmados e gravados, na região do Araguaia em 3 incursões que lá fizemos em 2008 e 2009 acompanhados de convidados da sociedade civil, de outras áreas do governo e do movimento dos perseguidos políticos”.
A Comissão da Anistia ouviu 120 pessoas nestas conversas com os camponeses, que relataram casos de tortura, perda de pequenas propriedades e mortes, durante a ação dos militares brasileiros contra a guerrilha que atuava na região (1972-1975).
José Felix Filho, de 61 anos, foi preso e torturado pelos militares, acusado de colaborar com os “paulistas” (como os guerrilheiros eram conhecidos). Além disso, teve sua propriedade doada e hoje trabalha como carpinteiro em Marabá (PA). Domingos Silva, de 53 anos, relatou que passou nove meses preso, sob a mesma acusação feita a José Felix. “Levei choque e porrada. Também perdi a minha terra”. Estes são alguns dos casos, cuja anistia e reparação vem sendo contestada na Justiça pelos Bolsonaro, que representam os setores mais conservadores das Forças Armadas.
Política - 05/01/2010
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16313
Marco Aurélio Weissheimer
O juiz José Carlos Zebulum, da 27ª Vara Federal do Rio de Janeiro, suspendeu o pagamento das indenizações aos 44 camponeses do Araguaia anistiados pela Comissão de Anistia em 2009, informa o presidente da Comissão, Paulo Abrão. Trata-se de uma liminar, com efeito suspensivo, a partir de uma ação popular interposta por um assessor ligado ao gabinete do deputado Flávio Bolsonaro (PP-RJ), filho do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ).
“Este mesmo cidadão ingressou com outra ação popular que suspendeu a anistia de Carlos Lamarca que concedemos em 2007”, revela Abrão. Em mais de 8 anos de existência da Comissão, trata-se dos dois únicos casos em que uma decisão judicial suspendeu decisão da Comissão de Anistia concessiva de direitos (as indenizações variam de R$ 83 mil a R$ 142 mil).
“O juiz concedeu a liminar sem sequer ouvir previamente a Comissão. Estamos recorrendo da decisão,” diz Abrão. Segundo ele, a Comissão continuará a apreciar os demais requerimentos de anistia de camponeses do Araguaia.
“Temos ainda mais 150 pedidos para estudar e apreciar e não suspenderemos nossas atividades regulares em matéria da Guerrilha do Araguaia. E aguardamos o bom senso do juiz em rever esta decisão que amparou-se única e exclusivamente em alegações de um cidadão do Rio de Janeiro que não acompanhou o árduo trabalho que resultou na colheita de mais de 300 depoimentos in loco, filmados e gravados, na região do Araguaia em 3 incursões que lá fizemos em 2008 e 2009 acompanhados de convidados da sociedade civil, de outras áreas do governo e do movimento dos perseguidos políticos”.
A Comissão da Anistia ouviu 120 pessoas nestas conversas com os camponeses, que relataram casos de tortura, perda de pequenas propriedades e mortes, durante a ação dos militares brasileiros contra a guerrilha que atuava na região (1972-1975).
José Felix Filho, de 61 anos, foi preso e torturado pelos militares, acusado de colaborar com os “paulistas” (como os guerrilheiros eram conhecidos). Além disso, teve sua propriedade doada e hoje trabalha como carpinteiro em Marabá (PA). Domingos Silva, de 53 anos, relatou que passou nove meses preso, sob a mesma acusação feita a José Felix. “Levei choque e porrada. Também perdi a minha terra”. Estes são alguns dos casos, cuja anistia e reparação vem sendo contestada na Justiça pelos Bolsonaro, que representam os setores mais conservadores das Forças Armadas.
Política - 05/01/2010
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16313
Justiça Federal impede que camponeses do Araguaia anistiados recebam indenização
Segundo a comissão, os camponeses foram reconhecidos como vítimas de tortura durante as operações do Exército para acabar com Guerrilha do Araguaia, no início dos anos 1970.
Uma liminar concedida pela 27ª Vara da Justiça Federal no Rio de Janeiro impede que 44 camponeses do Araguaia, anistiados há quase um ano (18/6/2009) pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, recebam a indenização mensal de dois salários mínimos (R$ 1.020).
Segundo a comissão, os camponeses foram reconhecidos como vítimas de tortura durante as operações do Exército para acabar com Guerrilha do Araguaia, no início dos anos 1970.
A liminar foi concedida em setembro de 2009 pelo juiz substituto José Carlos Zebulum e foi provocada por ação popular assinada pelos advogados João Henrique Nascimento de Freitas e Luciana Lauria Lopes.
Segundo a ação, há “diversos vícios graves” nas concessões de anistia, como “tratamento padronizado” nos processos; “influência política na decisão”; “parcialidade dos membros da Comissão de Anistia” e “desvio de finalidade”. A ação ainda inclui reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em junho do ano passado que revela esquema ilegal de intermediação para concessão das anistias.
“O juiz se convenceu que o critério utilizado pela Caravana da Anistia não foi minucioso, não foi preto no branco. Ficou uma coisa muito vaga, muito pastosa. Ele se convenceu que a justificativa estava muito padronizada”, afirmou um dos autores da ação, João Henrique Nascimento de Freitas.
Além da anistia dos camponeses, a ação ainda pedia a suspensão de processos em análise e concessões dos processos já instaurados, “para que não sejam realizados pagamentos às cambulhadas”, descreve o pedido.
A ação foi atendida parcialmente e apenas as anistias dos camponeses foram suspensas. “Só havia início de prova razoável para atender o pleito de suspender as indenizações no que diz respeito aos 44 camponeses. Não havia indícios suficientes para suspender todos os processos de indenização”, disse o juiz José Carlos Zebulum, substituto da 27ª Vara Federal, que analisou a ação.
Ao serem anistiados, os camponeses receberam um pedido de desculpa formal do Estado. À época, o presidente da Comissão da Anistia, Paulo Abrão, informou à Agência Brasil que as anistias dos camponeses eram históricas e se tratavam de um “reconhecimento do Estado de que errou contra cidadãos brasileiros”. Além do pedido de desculpa oficial, os camponeses receberam o direito a reparação mensal no valor de dois salários mínimos e mais um crédito entre R$ 80 mil e R$ 142 mil, conforme o caso, retroativo a outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição Federal).
Para Abrão, a ação não foi uma surpresa. Ele lembra que o autor da ação popular também pediu na Justiça o cancelamento da pensão aos parentes do ex-guerrilheiro Carlos Lamarca (morto em 1971).
“O que me surpreendeu é o juiz ter concedido a liminar sem ouvir o Ministério da Justiça ou ter pedido qualquer documento, como aqueles produzidos pelo Ministério Público Federal, o Incra [Instituto de Colonização e Reforma Agrária] ou ter analisado qualquer livro publicado sobre a Guerrilha do Araguaia e o envolvimento dessas pessoas”, lamentou o presidente da Comissão de Anistia.
O juiz Zebulum disse à Agência Brasil que a Advocacia-Geral da União entrou com recurso (agravo de instrumento) contra a sua decisão no Tribunal Federal Regional (2ª Região), mas o relator do caso, desembargador Raldênio Bonifácio Costa, manteve a liminar.
5/30/2010 - 15:50
http://www.expressomt.com.br/noticia.asp?cod=71759&codDep=3
Uma liminar concedida pela 27ª Vara da Justiça Federal no Rio de Janeiro impede que 44 camponeses do Araguaia, anistiados há quase um ano (18/6/2009) pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, recebam a indenização mensal de dois salários mínimos (R$ 1.020).
Segundo a comissão, os camponeses foram reconhecidos como vítimas de tortura durante as operações do Exército para acabar com Guerrilha do Araguaia, no início dos anos 1970.
A liminar foi concedida em setembro de 2009 pelo juiz substituto José Carlos Zebulum e foi provocada por ação popular assinada pelos advogados João Henrique Nascimento de Freitas e Luciana Lauria Lopes.
Segundo a ação, há “diversos vícios graves” nas concessões de anistia, como “tratamento padronizado” nos processos; “influência política na decisão”; “parcialidade dos membros da Comissão de Anistia” e “desvio de finalidade”. A ação ainda inclui reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em junho do ano passado que revela esquema ilegal de intermediação para concessão das anistias.
“O juiz se convenceu que o critério utilizado pela Caravana da Anistia não foi minucioso, não foi preto no branco. Ficou uma coisa muito vaga, muito pastosa. Ele se convenceu que a justificativa estava muito padronizada”, afirmou um dos autores da ação, João Henrique Nascimento de Freitas.
Além da anistia dos camponeses, a ação ainda pedia a suspensão de processos em análise e concessões dos processos já instaurados, “para que não sejam realizados pagamentos às cambulhadas”, descreve o pedido.
A ação foi atendida parcialmente e apenas as anistias dos camponeses foram suspensas. “Só havia início de prova razoável para atender o pleito de suspender as indenizações no que diz respeito aos 44 camponeses. Não havia indícios suficientes para suspender todos os processos de indenização”, disse o juiz José Carlos Zebulum, substituto da 27ª Vara Federal, que analisou a ação.
Ao serem anistiados, os camponeses receberam um pedido de desculpa formal do Estado. À época, o presidente da Comissão da Anistia, Paulo Abrão, informou à Agência Brasil que as anistias dos camponeses eram históricas e se tratavam de um “reconhecimento do Estado de que errou contra cidadãos brasileiros”. Além do pedido de desculpa oficial, os camponeses receberam o direito a reparação mensal no valor de dois salários mínimos e mais um crédito entre R$ 80 mil e R$ 142 mil, conforme o caso, retroativo a outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição Federal).
Para Abrão, a ação não foi uma surpresa. Ele lembra que o autor da ação popular também pediu na Justiça o cancelamento da pensão aos parentes do ex-guerrilheiro Carlos Lamarca (morto em 1971).
“O que me surpreendeu é o juiz ter concedido a liminar sem ouvir o Ministério da Justiça ou ter pedido qualquer documento, como aqueles produzidos pelo Ministério Público Federal, o Incra [Instituto de Colonização e Reforma Agrária] ou ter analisado qualquer livro publicado sobre a Guerrilha do Araguaia e o envolvimento dessas pessoas”, lamentou o presidente da Comissão de Anistia.
O juiz Zebulum disse à Agência Brasil que a Advocacia-Geral da União entrou com recurso (agravo de instrumento) contra a sua decisão no Tribunal Federal Regional (2ª Região), mas o relator do caso, desembargador Raldênio Bonifácio Costa, manteve a liminar.
5/30/2010 - 15:50
http://www.expressomt.com.br/noticia.asp?cod=71759&codDep=3
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