Decisão da Justiça, que suspendeu pagamento, é contestada por associação de torturados da guerrilha do Araguaia.
31 de dezembro de 2009 - 0h 00
Leonencio Nossa, BRASÍLIA - O Estadao de S.Paulo
Derrotados pelas tropas enviadas a mando de Brasília nos anos 70, camponeses que participaram da Guerrilha do Araguaia querem agora travar uma outra luta na capital: o direito à indenização. Reconhecidos como anistiados pelo governo em junho passado, 44 agricultores até agora nada receberam por causa de uma decisão da Justiça Federal do Rio de Janeiro, que mandou o governo suspender o pagamento das indenizações.
"A peleja vai ser agora em janeiro", diz Sezostrys Alves, presidente da Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia, sobre o movimento de cobrança dos agricultores. Dos 44 beneficiados pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, cinco já morreram e boa parte está doente e vive em estado de pobreza absoluta, de acordo com Alves.
Uma das camponesas que tiveram o pagamento suspenso foi Adalgisa Moraes, de 76 anos, de São Domingos do Araguaia. Em junho, o Estado contou a história da camponesa, que dava comida para os guerrilheiros no momento mais dramático do cerco militar. Ela e o marido, Frederico Lopes, 72, tiveram a casa incendiada pelos militares e foram expulsos de sua propriedade.
Lopes ficou com sequelas das torturas na base militar da Bacaba, na Transamazônica. Enfrentando problemas financeiros e de saúde, ele faz parte do grupo de outros 200 agricultores que ainda aguardam análise de pedidos de indenização. O casal planeja sair do aluguel e fazer tratamento em Araguaina ou Marabá.
BLOQUEIO
O bloqueio das indenizações concedidas em junho foi pedido pelos advogados do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP-RJ), que representa setores conservadores das Forças Armadas. A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça recorreu da decisão do juiz José Carlos Zebulum, da 27ª Vara Federal. As indenizações variam de R$ 83 mil a R$ 142 mil.
"O pessoal está morrendo e muitos não têm mesmo condições físicas de ir ao banco ver se o dinheiro chegou", disse Alves, cuja associação reúne 280 agricultores dos povoados e sítios onde ocorreram os combates. "Eles não querem que os pobres contem a história do Araguaia", acrescentou.
De 1995 a 2007, o governo federal priorizou indenizações a perseguidos e vítimas do regime militar das cidades, a maioria das classes média e alta. As indenizações elevadas causaram polêmica. Naquele período só dois camponeses do Araguaia receberam indenizações. A partir de 2007, quando Tarso Genro assumiu o Ministério da Justiça, os agricultores com vínculos ou não com a guerrilha também passaram a ter seus processos analisados pela Comissão de Anistia, que passou a ser comandada por Paulo Abrão.
Em junho, o ministro entregou simbolicamente 44 indenizações a agricultores na praça principal de São Domingos do Araguaia. Os pagamentos estavam para ser liberados pelo Ministério do Planejamento quando a Justiça Federal fez o bloqueio.
O deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), pai do deputado Flávio, avisa que a família não pretende retirar a ação que apresentou à Justiça. "O pessoal da esquerda foi lá estimular os caboclos a contar uma história que não existiu e em troca dariam cem mil para cada um", disse Jair Bolsonaro.
A uma pergunta sobre o motivo de não ter entrado na Justiça para suspender pagamentos milionários à classe média da luta armada, ele respondeu: "Essa história toda começou lá atrás, no governo Fernando Henrique, quando começaram a dar indenizações apenas para a esquerda, não deram para militares", disse, em referência ao governo do ex-presidente tucano, Fernando Henrique Cardoso. "Somos contra indenizações para todo mundo", concluiu.
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100101/not_imp489263,0.php
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