sábado, 14 de agosto de 2010

''Conservadores não admitem a reparação a todas as vítimas''

Segundo ele, comissão não foi sequer ouvida pela Justiça antes da decisão sobre a suspensão dos pagamentos
BRASÍLIA - 01/01/2010.


Entrevista / Paulo Abrão: presidente da Comissão de Anistia
 
Mesmo acostumado a debates acalorados sobre o regime militar, o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, diz ter recebido com surpresa a notícia de que a Justiça do Rio de Janeiro aceitou pedido para suspender indenizações a 44 pessoas do Pará que sofreram prejuízos durante a repressão aos guerrilheiros do Araguaia, nos anos 1970. Desta vez a lista de beneficiários é formada por pessoas da classe baixa, que estavam no fogo cruzado dos combates e não sabiam o motivo da repressão.


Como o senhor recebeu a notícia da suspensão das indenizações para moradores do Araguaia?

É uma reação de setores conservadores que não admitem a proposta de reparação a todas as vítimas do regime militar. Só neste ano, a comissão julgou quase dez mil casos. Há muitas ações na Justiça para rever valores de indenizações. Só tinha ocorrido uma ação para suspender pagamento no caso Carlos Lamarca. Existia uma opinião do Clube Militar, de pessoas da reserva, de que ele desertou do Exército. Há a análise de que ele foi levado a se afastar.

O senhor foi ouvido pela Justiça antes da decisão?

Para a nossa surpresa, o juiz nem sequer nos ouviu para suspender os pagamentos de 44 camponeses do Araguaia. Normalmente, a Comissão de Anistia é ouvida em todas as ações judiciais. O juiz se baseou na alegação de um cidadão do Rio de Janeiro, que recorreu a recortes de jornais que relatavam que não tinha sido fácil para a Comissão chegar à conclusão de que aquelas pessoas eram vítimas do regime militar. A Comissão foi três vezes à região, gravou depoimentos, analisou arquivos do Pará, consultou o Arquivo Nacional, que guarda os documentos do extinto SNI (Serviço Nacional de Informações), e avaliou depoimentos colhidos em 2001 pelo Ministério Público.

Qual é a alegação para bloquear os pagamentos?

Alega-se a ausência de comprovação histórica logo agora que as indenizações são para uma parcela muito humilde da sociedade. Em primeiro lugar, há um viés ideológico mais intenso quando de se trata da guerrilha do Araguaia. Em segundo, é um assunto cuja cobertura dos fatos foi suprimida dos meios de comunicação, o que implica menor quantidade de documentos e registros. Há pouco tempo, a própria guerrilha do Araguaia era negada como fato histórico.

Por que nunca houve bloqueio aos pagamentos de valores mais elevados, para anistiados das cidades, das classes média e alta?

O dado concreto é que dessa vez não se estava anistiando necessariamente os perseguidos políticos oriundos das organizações clandestinas ou dos sindicatos, mas de uma parcela da sociedade que foi atingida e perseguida sem a consciência de que estava em volta a um episódio político. Agora, quando vamos fazer justiça a camponeses, gente humilde que teve a vida destroçada, viveu por três anos um estado de sítio, sem seu direito de ir e vir, vem um cidadão do Rio de Janeiro se intitulando arauto da verdade.

Esta é uma decisão que constrange?

O que me deixa insatisfeito é que não estamos tratando de militares que causaram a repressão nem do foco guerrilheiro, estamos falando da população civil que não sabia o que estava acontecendo. Essas pessoas tiveram gestos humanitários com guerrilheiros que estavam sendo caçados. Carregam sequelas de sequestro, perderam suas terras, trabalharam como escravas, foram levadas para trabalhar com militares, forçadas a entrar na mata para caçar guerrilheiros, e enfrentaram torturas físicas e psicológicas. Como alguém imbuído de visões ideológicas da Guerra Fria entra na Justiça para suspender indenizações de pessoas que sofreram nas mãos do Estado? O Estado tem o dever de reparação. Não é uma política de governo, mas uma política de Estado. Não se trata de dever ideológico e sim de uma questão de princípio.
 
http://www.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1714

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